Vinhos e Afins – 9/4/2012

SERIAM OS VINICULTORES
GAÚCHOS COMUNISTAS?


Janer Cristaldo – http://cristaldo.blogspot.com.br/

Quem me acompanha sabe que desde há muito não freqüento teatro nem cinema nacionais. Desde há muito quer dizer há mais de trinta anos. E teatro exige uma ressalva. Não é que não vá a teatro nacional. Não vou a teatro, seja qual for. Me sinto mal vendo atores representando. Certo, no cinema também representam. Mas pelo menos não vejo o ator representando, e sim a imagem do ator, o que é diferente. Mesmo assim, não gosto muito do cinema francês, que em geral é teatro filmado.
Entre outras razões para não ver cinema nacional, é que o contribuinte acaba financiando os filmes. Ora, se já paguei pela produção do filme, não pretendo pagar de novo para vê-lo. Só se me convidarem e vierem buscar-me de limusine em casa. E olhe lá.
Em meio a isso, o governo brasileiro quer tornar o vinho importado mais caro ou retirá-lo da prateleira como forma de proteger a indústria nacional. Cogita-se em aumento do Imposto de Importação de 20% para 55%, ou a criação de cotas – a imposição de um limite na quantidade de garrafas importadas. O foco principal são os vinhos portugueses, italianos e chilenos. Os europeus, segundo os produtores brasileiros, tornaram-se mais baratos com a crise financeira internacional. “Na esteira do desenfreado crescimento das importações, motivado por excesso de oferta, os preços caíram, obrigando os intermediários locais, a fim de evitarem estocagem, a desovarem seus produtos importados a preços mais reduzidos ainda”, diz o texto apresentado pela indústria ao governo.
O que constitui grossa falácia. Não é a crise financeira internacional que coloca aqui o vinho estrangeiro a menor preço. É a incompetência nacional – ou a alta tributação, como quisermos – que torna o vinho europeu mais barato. Onde se lê “pela indústria’”, leia-se pelos vinicultores gaúchos, que querem ganhar a concorrência no tapetão.
Não posso falar de vinhos nacionais. Salvo algum presente de alguma vinícola, não costumo consumi-los. E isso há umas boas quatro décadas, quando descobri na Europa os franceses, italianos, espanhóis e portugueses. E, mais recentemente, os vinhos da Cordilheira. Que me desculpem os produtores nacionais: não há comparação. Que mais não seja, não se pode comparar o cultivo milenar de vinhos com o cultivo de apenas algumas décadas. Savoir faire não é para amadores.
Não vou afirmar que não haja bons vinhos nacionais. Consultei um connaisseur de escol. Me disse que sim, que há bons vinhos nacionais. O problema é o preço. Pelo preço de um, compra-se dois ou três bons vinhos chilenos ou argentinos. Ninguém gosta de jogar dinheiro fora. Viva então Collor de Mello. Escreve Silvia Cintra Franco, enófila e sócia da Associação Brasileira de Sommeliers:

– Menina ainda, eu não tinha idéia de que existissem carros melhores do que os oferecidos no mercado, mas já sabia que os vinhos franceses eram superiores aos nossos, porque meus tios mais abastados os traziam da Europa, naquela época em que se ia e voltava da Europa de navio e se fazia uma festa grande de “bota fora”. Entretanto, com a segunda abertura dos portos realizada pelo governo Collor (de má fama, mas por esta abertura há de ser sempre lembrado), todos nós oriundos das classes menos abastadas passamos a ter acesso a carros que não são carroças e a vinhos de todas as procedências. Aperfeiçoamos nosso paladar e grau de exigência através do contato com os produtos de fora.
Este produto de fora está incomodando os produtores gaúchos. A intenção destes é fazer com que o Planalto estabeleça cotas mínimas de importação por país, com exceção da Argentina e do Uruguai, que são beneficiados pelo tratado de livre comércio do Mercosul. No que a mim diz respeito, que há muito troquei os franceses pelos vinhos de nuestros vecinos, tanto faz como tanto fez. Mas a iniciativa dos vinicultores gaúchos é um insulto ao consumidor. Incompetentes para exercer uma concorrência honesta, apelam ao Estado para protegerem seus lucros.
A reação dos chefs, restauradores e sommeliers do centro do país foi imediata. Leio na Folha de São Paulo que uma corrente de retaliação está promovendo um boicote ao rótulos nacionais nos restaurantes e nas lojas, uma grande marca tirou seu nome da disputa e a controvérsia ganhou dimensão internacional. No Rio, a chef Roberta Sudbrack retirou do cardápio os rótulos brasileiros de vinícolas ligadas à petição. É um gesto simbólico, diz ela, e uma maneira de se posicionar sobre um assunto que “pode colocar em risco o crescimento da gastronomia e do país”.
O restaurante Tasca da Esquina e a loja de bebidas Rei dos Whisky’s & Vinhos – das maiores redes varejistas – estão dispostos a fazer o mesmo. Thiago Locatelli, sommelier do Varanda Grill, diz que a salvaguarda é “um tiro no pé”, que os “consumidores estão revoltados” e que o “mercado brasileiro será inundado por vinhos argentinos e chilenos”.
Que o bom deus dos sedentos o ouça. A petição dos produtores gaúchos é saudades da reserva de mercado, vontade de comunismo e de controle estatal. A decisão do governo será tomada em setembro próximo. Consta que Dona Dilma é simpática à medida.
Como disse o sommelier, será um tiro no pé. Porque quem degustou o melhor e mais barato, jamais voltará ao pior e mais caro. Mesmo que tenha de pagar mais.

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