Grampo, pra que te quero?
Glauco Fonseca*
De vez em quanto, ao falar de negócios por telefone, brinco: “Ih, se houver alguém me grampeando, pode entender que estou envolvido em maracutaia”. Fiquei um tempão sem me dar conta disto, até que eu mesmo me flagrei ao telefone, tratando da minha vida, imaginando se deveria estar ou não falando com um cliente a respeito de um pagamento atrasado, de uma proposta de trabalho ou algo parecido. Senti-me injustamente culpado, ao tratar das minhas coisas por telefone – que é um serviço caro que eu pago religiosamente em dia – ao ficar destilando teses conspiratórias bobinhas. Afinal, o que iriam querer com um cara como eu?
O absurdo é algo que sempre cresce e este, então, é cada dia mais fermentado. Depois de ler o que informou o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RS, Algir Lorenzon, que 1.063 pessoas possuem (ou possuíram) senhas para fazer arapongagem através do Sistema Guardião e do Sistema de Consultas Integradas, eu e qualquer outro cidadão ficamos em palpos de aranha. Aquela sensação de “teoria da conspiração” passa a ser potencial conspiração mesmo e pode atingir qualquer um, seja a minha insignificante pessoa, seja um figurão da iniciativa pública ou privada.
O sistema tem por intenção nos proteger, é verdade. Contudo, ele grampeia malfeitores que depois não vão presos e não vão devolver dinheiro obtido de modo ilícito. Veja, por exemplo, o caso de Demóstenes. Ele vai perder o mandato, mas vai chorar as pitangas no Caribe, junto com Cacciola, Delúbio e a “Gang dos Guardanapos”. Não vai devolver um só tostão, não vai ser julgado nem preso e, se fosse, o seria em sua tenra velhice. É por isso que os sistemas de grampo servem: para tentar processar alguém, tentar denunciar alguém, tentar indiciar alguém. Em seguida, surgem Kakays, Oliveiras e Thomaz Bastos que conseguem debulhar tudo, transformando o trabalho policial e judicial em lixo. Para que serve o grampo, então?
Dia desses, falando com um amigo por telefone, a respeito de um empreendimento que pensávamos fazer no exterior (somos pilotos da Hellmanns há anos), eu e ele combinamos de falar pessoalmente, sabe como é. Isto é absolutamente indigno, absurdo, incorreto! Por que diabos eu tenho que falar pessoalmente a respeito da minha vida, dos meus negócios em pessoa, se posso usar uma porcaria de um telefone que eu pago? Por que eu tenho que gastar tempo e dinheiro em deslocamentos que poderiam ser evitados? Porque devo me sentir perseguido, culpado, se estou apenas tratando da minha vida? Veja a que estágio a paranoia chegou.
Este é o drama maior de se viver num estado democrático onde o direito, ao invés de oprimir os bandidos, oprime pessoas comuns, que não roubam, não sonegam, não desviam dinheiro e nem sequer deixam de pagar suas contas. Eu não sou Gilberto Carvalho, nem Sérgio Cabral, nem Cachoeira, nem Cavendish, nem mensaleiro, nem Demóstenes. Não sou Sarney, Calheiros, Perillo ou Collor. Não faço parte de gang nem sou José Dirceu ou Genoíno. Não sou Palocci nem a companheira Erenice. Tampouco sou Battisti e jamais uma empresa pública de telecom quis ser minha sócia em canal de televisão.
O sistema não deveria ser usado para grampear indevidamente, sem ordem judicial ou sem regras muitíssimo definidas. É algo muito bom, uma grande ferramenta tecnológica a favor da democracia e das pessoas de bem. Que seja sempre bem usado, em favor do direito e das centenas de milhões de brasileiros que trabalham sem roubar, que tentam pagar suas contas, que levantam cedo e dormem tarde para manter um mínimo de dignidade. Eu sou um deles. E não é porque sou paranoico que não tem ninguém me seguindo.
* Glauco Fonseca é consultor.