Bom Dia!! Segunda, 23 de julho de 2012

UM DOS MEUS ÍDOLOS SE DESPEDE

Na década de 70 deveria ser um dos primeiros que comprava O Pasquim, toda semana. Pelo menos em Porto Alegre. Devorava todas as edições. Mas gostava mesmo quando o Jaguar escrevia. E os textos dele eu guardava numa pasta. Lia e relia aqueles raros textos porque o cara escrevia de uma maneira simples, como se estivesse conversando comigo.
Quando já estava fazendo jornalismo na PUCe trabalhava no Diário de Notícias, li que Jaguar e Fausto Wolf viriam a Porto Alegre lançar O Pasquim, com enfoque para os gaúchos. Me escalei para a coletiva, que foi no Clube de Cultura, na rua Ramiro Barcelos. Fausto não conseguia falar direito porque estava completamente bêbado; Jaguar também estava, mas falava normalmente – e ele salvou a entrevista. Estavam acompanhados de Glênio Peres, “nosso homem em Porto Alegre”. Lembro que Jaguar começou o seu papo assim:
– O Pasquim chega aqui em Porto Alegre como um mixto-quente frio.
Não lembro como, mas de noite me encontrei com o Glênio e o Jaguar num bar que tinha na rua José do Patrocínio, numa esquina. Música ao vivo – Plauto Cruz era um que estava lá com sua flauta. Tomamos todas. Eu tinha um Opalão e dei carona para os dois, sei lá de que maneira.
Imagina os papos. Um negócio inesqucível.

Logo no início da revista Press, no comecinho deste século, o Julio Ribeiro e eu inventamos de fazer o Prêmio Press. Antes, teria um meeting. Emplaquei, como cinvidados, o Mário Marona, então diretor da Globo em Brasília, e o Jaguar.
Fui recebê-lo, de manhã, no aeroporto. Desembarcou só com uma pastinha na mão. Perguntei se não tinha mala. Ele mostra a pasta.
– Não, aqui trago uma camisa e uma cueca. E isso aqui.
Abriu a pasta e mostrou uma garrafinha de uisque. Claro que deu um golão.
Fomos até o Hotel Everest, onde ficou hospedado, e o tempo todo falou bobagem e terminou com a garrafinha de uisque.
No meeting ele deu um show. E ficou em toda a cerimônia de entrega do primeiro Prêmio Press. Antes, no coquetel, tivemos que providenciar uma garrafa de uísque para ele.
Olha o registro:

Eu, Jaguar, Ruy Carlos Ostermann e Mário Marona


Neste domimgo leio na Folha de S. Paulo que ele está com cirrose e câncer, aos 80 anos.
Me deu uma tristeza danada.
Um dos meus ídolos “se despediu” numa crônica no jornal O Dia, onde escreve. Pelo menos foi a última antes de se internar.
Imaginei a cara dele entrando no hospital e no trato com enfermeiros e médicos.
Uma pena.

A crônica que ele publicou no sábado, em O Dia:

 Jaguar: Piscina de cerveja

Rio –  Uma piscina olímpica, no mínimo, foi o que bebi nos últimos 62 anos (completei 80 há 7 meses e bebo desde os 18). Para ficar só nas cervejas, sem falar nos vinhos e nos destilados: cachaça, underberg, bagaceira, grapa, tequila, steinhager, pisco, conhaque, rum, aquavit, gim, sakê, até absinto. E mil coquetéis, do Hi-Fi ao dry-martini. Durante esse tempo todo, consumi no mínimo uns 5 litros por dia da loura gelada, façam as contas. Quem persevera sempre alcança: fui fazer um checape de rotina e deu cirrose em estágio pra lá de avançado e vários cânceres ( tem plural?), no que os antigos boêmios chamavam carinhosamente de figueiredo.
Em linguagem técnica, eu estava com CHC (Carcinoma Hépato Celular). O médico do Chico Caruso aconselhou procurar o maior oncologista (especializado em câncer), com consultório em São Paulo. Ele foi sucinto. “Precisa operar imediatamente”. Levei um susto.  Cheguei aos 80 sem um furo no meu corpo, exceto os que já nasci com eles. “E se não quiser operar, doutor ?” “Você vai ter entre 2 a 20 dias de vida, na melhor das hipóteses”. Achei um exagero: “Mas não sinto nada, nenhuma dor”. “ Você é um caso raro. Qualquer um no seu estado teria náuseas, dor e febre”. “Depois da operação posso voltar a beber?”
Como o corvo de Edgar Allan Poe, respondeu: “Nunca mais”. “Então deixa pra lá, o que tinha que fazer fiz e o que não fiz não farei mais”. O resto da vida vendo tevê, lendo jornal ou jogando biriba no Posto 6 com outros velhinhos. Mas não houve jeito de escapar. Célia me internou no Hospital Sírio-Libanês, o mesmo onde estiveram Lula e a Presidenta.
Antes almoçamos no Gero com dry-martinis, vinho e underberg. Pelo menos minha presumida última refeição foi bem melhor que a de Cristo. Quando chegamos, havia uma multidão de fotógrafos e cinegrafistas. “Como descobriram? Só os médicos, Célia e eu sabíamos”. Ledo Ivo engano (licença, Sérgio Porto). Estavam na porta do hospital para cobrir a saída de Pedro, filho do cantor sertanejo Leonardo. No meu tempo era cantor caipira, com chapéu de palha e botina. Agora é chapéu texano, muita joia e botas de grife. (Continua).

O “(Continua)” aí de cima é do texto dele, mesmo.

Para quem não sabe, o nome do Jaguar é Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe.

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