AOS VERANISTAS – TODOS!!
O ventão do Recreio
Para os que não conhecem, o Recreio dos Bandeirantes, hoje, é um bairro de classe média alta do Rio de Janeiro. Está ao lado da Barra da Tijuca. As praias são frequentadas basicamente por moradores – ou seja, os suburbanos cariocas não conseguem ônibus para chegar até lá. O mar é limpo e a areia branca. Tão legal que as novelas de TV e vários filmes têm locações no Recreio.
No entanto, foi loteado apenas no final dos anos 50. Até o início dos anos 60 não era habitado.
Situados, vamos a mais uma aventura da família Prévidi:
Meus pais tinham este “espírito aventureiro”, mesmo que vivêssemos no Rio de Janeiro. O pai era um gringão nascido em Caxias do Sul, que até os 10 anos não falava português e muito menos tinha calçado um sapato. Por aquelas coisas do destino e de competência, com pouco mais de 20 anos foi transferido para a então capital federal para gerenciar a filial da metalúrgica que trabalhava em Caxias. Lá conheceu a minha mãe, uruguaia, nascida em Melo e criada em Jaguarão. Que mistura, hein?
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As farofadas do casal Prévidi, meu irmão e eu foram inúmeras, quase sempre com a avó materna, a Adylles. Nas férias, as viagens geralmente eram epopeias. Várias do Rio de Janeiro a Montevidéu, com centenas de quilômetros de chão batido. Pelo interior do Brasil foram inúmeras. Nos finais de semana, meu pai sempre inventava um acampamento, um churrasco num parque da cidade, um piquenique.
Ele tinha um Oldsmobile 1952, imenso, hidramático e com vidros elétricos. Carrão. Com um porta-malas que era um fusca. Numa sexta-feira ele chegou em casa, de noite, e fez todos descerem para ver uma novidade. Abriu o porta-malas e tinha lá um saco verde, cheio de alguma coisa.
– Comprei uma barraca!, disse faceiro. Amanhã vamos acampar no Recreio dos Bandeirantes.
Tinha algo em torno de 8 anos (início dos anos 60) e não fazia a menor ideia de onde ficava a tal Praia do Recreio. No sábado acordamos cedíssimo e partimos para o “divertimento”. O Oldsmobile estava lotado de tralhas.
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Passamos por Copacabana, Ipanema, Leblon e meu pai enveredou pelo sinuoso caminho que nos levava à Barra da Tijuca. Aí deitei, porque estava a ponto de vomitar. Dormi e só acordei quando o possante parou. Olhei em volta e não vi nada – nenhum edifício, nenhuma pessoa, nada. Só mar e areia.
– Chegamos ao paraíso!!, bradou o líder da empreitada.
Esquelético, quase não conseguia caminhar, porque o vento era absurdo. Em compensação a areia era fina e o mar azul. É, mas por ser fina a areia insistia em bater nos meus olhos. O mar? Senti a correnteza ao molhar os pés.
Foi uma tarefa de gincana montar a tal barraca, porque não tinha um croqui. Meu irmão desistiu e foi para a água. Fiquei olhando os dois. Minha avó estava dentro do carro, por causa do vento.
Tudo muito emocionante.
Barraca montada, meu pai foi buscar sua sogra para o teste definitivo. Acontece que a lona verde-escura, por ser muito grossa, protegia do vento, mas em compensação, por causa do sol, fazia com que a temperatura beirasse os 40 graus. Era impossível ficar na parte interna. Minha avó se contentou com a “varanda”, onde todos tivemos que ficar.
Meu pai, muito feliz, fingia que conseguia ler O Globo e fumar o seu Minister ao mesmo tempo. Minha mãe mexia nas latarias que havia levado para o almoço. Meu irmão corria de um lado para outro, como que fugindo do vento. Minha avó, sentada, emitia uma espécie de assobio, baixinho, típico das costureiras, com acompanhamento dos pés na areia. Eu? Ali, com cara de bundão.
O tempo foi passando, passando e o vento aumentando, aumentando. Comemos cachorro quente e sanduíche de presunto. Coca meio quente, nas novíssimas garrafas de 1 litro.
Almoçamos, tal e coisa, e o vento só aumentava e todos ali com aquela característica cara de bundão – e não apenas eu. Não tinha o que fazer. Tentamos até jogar bola, frescobol, qualquer atividade era impossível. Mais ou menos como quando o Nordestão invade as praias gaúchas.
O sol ainda estava alto, meu pai se levantou da cadeira com um ar esquisito. Disse para a sogra ir para o carro e que todos recolhessem as tralhas. Começara a desmontar o seu objeto de prazer.
Me deu uma pena danada dele.
Foi dirigindo até a garagem do nosso edifício sem dar uma palavra, mesmo que as mulheres tentassem conversar.
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Ao descer do carro, olhou todos e com um sorriso, lascou:
– Gostaram do passeio?
E deu uma gargalhada.
(José Luiz Prévidi)
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Ao Barro Duro de Prefect
“A infância é pródiga em ‘primeiras vezes’ e, talvez, por isso seja a época mais marcante de nossas vidas. A primeira vez que fomos ao colégio, a primeira professora, a primeira vez que quebramos o braço, que roubamos frutas, que conseguimos escrever o nosso nome…de carreirinha. Enfim, cada dia é uma estreia, daí os olhos sempre abertos ao máximo e a constante expectativa que toda a criança carrega.
São tantas primeiras vezes que algumas chegam a acontecer juntas, ao mesmo tempo. Lembro da primeira vez que fui à praia, que coincidiu com a primeira vez que andei de carro. Bem, os termos ‘praia’ e ‘carro’ são um exagero, uma condescendência infantil.
A praia era o Balneário dos Prazeres, popularmente conhecida como ‘Barro Duro’, uma quebrada do Laranjal, em Pelotas, destinada aos pobres, farofeiros e afins. Ao contrário da praia dos riquinhos, que na época era o Balneário Santo Antonio e cujo acesso era por asfalto, o caminho para o Barro Duro era, como o nome diz, feito de barro, nem sempre duro. Qualquer chuvinha de verão transformava a chegada à Lagoa dos Patos num rally. E quem pagava o pato eram os pobres. Novidade.
Já o referido “automóvel”, era um Ford Prefect, fabricado na década de 1940. A história que lhes conto ocorreu por volta de 1973. Então, imaginem o estado da joinha, depois de mais de 30 anos, certamente, sem manutenção. O bólido tinha sido adquirido pelo meu irmão mais velho e estava fazendo sua viagem de inauguração com toda a família. Quer dizer, quase toda, fomos só em oito. E como todo o pobre que se preze, com panelas de galinha com farofa, alguns pães de meio quilo (quem lembra? Eram como um dos atuais cassetinhos…dez vez maior) e várias garrafas de Ki-Suco, de vários sabores. É, porque a gente era pobre, mas ‘egigente’, então era Ki-Suco de uva, que deixava a língua da gente toda roxa, de laranja e de framboesa. Juro que eu cresci sem saber que diabo de fruta era essa.
A distância entre o bairro Simões Lopes, onde morávamos, e o Laranjal era, e continua sendo, de uns 30 km, no máximo. Mas foi uma aventura. Um calor do cão, toda a tralha colocada no Prefect, verde esperança – esperança de conseguirmos chegar à praia – e lá nos fomos. Cabe lembrar que entre as tralhas, ia uma câmera de pneu de trator, óbvio, porque pobre que se prezasse não abria mão de sua bóia de luxo.
Até que ia tudo bem, o ‘fordeco’ aguentando firme e altivo em seus pneus com banda branca, quando, quase chegando ao paraíso, ele se negou a subir uma lomba, um pedaço de morro depois do qual estavam os prazeres prometidos. Nhamm, nhamm….nãnãninanão. Tivemos todos que descer e empurrar a belezura, que podia ter motor fraco, mas pesava como uma locomotiva. Eu, que tinha meus 10 anos, magrelo, não fui poupado, tive que empurrar também. Aquele morrinho se transformou num Everest, quase intransponível. O bicho quase não se movia.
Tanto empurra, tanto sua, que lentamente fomos ganhando a subida. Intermináveis 15 minutos depois, estávamos no alto, agora era desfrutar a vista, embarcar todo mundo, porque pra baixo todo o santo ajuda. Pelo menos ajuda àqueles a bordo de carros…com freios. Seguuuura peão! Sacoleja daqui, sacoleja dali, uma das garrafas de Ki-Suco já dando o ar de sua graça e, enfim, chegamos. No meio do mato.
Para quem não conhece essa maravilha da Costa Doce, o Barro Duro, além de tudo o que já relatei, tem uma mata nativa que vai até quase a beirinha da praia. O pessoal adora acampar ali, fazer churrasco, estender redes, é quase o sétimo céu pra alguns. Estacionado o Prefect, fomos todos pra água, sem esquecer, é claro, a câmera de trator. Passamos o dia, entre a água e o arvoredo. Uma maravilha. Não fossem umas manchas avermelhadas que eu comecei a perceber em todo o corpo, e que davam muita coceira. No meio da tarde já tava insuportável. A coisa perdeu a graça. Pior que tinha a volta, e o santo que tinha ajudado na descida já tinha ido embora, a subida da volta era com a gente mesmo. Novo suplício, empurra, empurra, eu podia escolher, entre respirar ou coçar o corpo, e empurrar o traste.
Chegando em casa, Dona Maria, minha mãe, do alto de sua sabedoria secular (as mães acumulam a sabedoria de várias gerações de mães) deu o diagnóstico de cara. Isso é alergia de Aroeira. Vocês estacionaram o carro embaixo de uma Aroeira. Pronto, à minha primeira vez na praia e à minha primeira vez de carro, juntou-se a minha primeira crise alérgica. Um dia pra não esquecer jamais!”.
(Julio Ribeiro)
Bah, o Barro Duro segue lindo, só q agora inviavel pra acampar…
A marginalia esta a solta… Até mesmo de dia é perigoso…
Mas a blza natural segue demaisss…
Abraço