SAUDADE DE PORTO ALEGRE. SERÁ?
Texto de 22 de dezembro de 2007
(algumas bobagens, há 6 anos; outras “verdades” ainda valem)
Estou no Litoral Norte do RS. Tenho uma boa casa numa pequena praia, perto de Tramandaí. Oeisis International. Mesmo antes de voltar a Porto Alegre faço um balanço altamente positivo. Vários dias tive sorte – vento suave, céu sem nuvens e mar limpo, uma raridade. Quase não vi aquela mistura que lembra um nescau marítimo. Tenho nesta casa toda a infra-estrutura necessária. Até microondas. E dois mercados, pequenos, com tudo, bem próximo.
Como passo os dias na frente de um monitor, deliberamos que na praia ficaríamos longe da internet. Mais ou menos, porque duas lojinhas, há 20 passos de onde estou, oferecem uma conexão rápida. Até mesmo no posto de gasolina tem duas máquinas boas. Aí, dia sim dia não dou uma espiada nos e-mails. Escondido.
Outro dia, depois do almoço, deitado na rede, estava convicto que a saudade da minha cidade havia chegado e, por isso, o meu mau humor. Saudade de Porto Alegre. Não podia estar acontecendo, não conseguiria viver com o meu azedume. Era o que faltava, um homem velho com saudade de uma cidade!
Não deixei a rede e comecei a fingir que estava dormindo para que não me incomodassem. Saudade de quê?
Pensei naqueles infelizes que estão em Santa Catarina. Foram para lá acreditando que haviam chegado num paraíso. Na primeira hora em solo catarina descobrem que estão num inferno, mas não dão o braço a torcer. Pagam o olho da cara por tudo, trânsito paulista, mas vivem elogiando: “Nada é mais lindo do que Santa Catarina! Olha essa paisagem!”. No fundo, morrem de saudade de Porto Alegre.
Saudade de quê?
Está certo, temos que concordar como Luis Fernando Verissimo quando ele diz que o melhor lugar para se veranear é Porto Alegre. Em janeiro e fevereiro temos dias perfeitos – o trânsito é calmo, lugares abundantes em restaurantes e cinemas, tudo é ótimo. Uma cidade com tudo da civilização e sem muita gente.
Mas aqui na praia eu tenho tudo isso!
Saudade de quê?
Pensei no Guaíba. O sujo e fedorento Guaíba. Saudade do Guaíba? Deus me livre! Pela primeira vez pensei que o muro da Mauá é um grande serviço para o porto-alegrense. Não apenas para evitar enchentes improváveis, mas para que os cidadãos não passem perto daquela imundice. E também já concluí que não deve ter revitalização do cais do porto. Bobagem! Já imaginou o sujeito sentado num bom restaurante, na beira do Guaíba, e aquela fetidez em todo o ambiente?
Xô, Guaíba!
E não podemos esquecer que a cidade tem um clima insuportável no verão, justamente por causa do Guaíba. Será que existe uma cidade no mundo tão abafada quanto Porto Alegre? Não tenho esse registro.
Saudade de quê? Do Guaíba? Do calor senegalesco?
Continuava o meu teatrinho na rede. As vezes fingia até que roncava. Uma aragem me permitia esquecer o sofrimento dos que estavam em Porto Alegre.
O que mais me daria saudade?
O meu apartamento, onde moro há 17 anos. É bem legal e tem uma sacada, onde fumo e acompanho o movimento, que não existe mais nos apartamentos moderninhos. Infelizmente, nos dois primeiros meses do ano o movimento diminui muito. De manhã, então, me sinto numa daquelas paradisíacas praias de Santa Catarina, onde nem um fantasma se aventura a colocar um calção ou biquíni. Quem gosta de praia ou rua deserta é aquele cara que está próximo da esquizofrenia. Podem crer.
O que mais?
Meu Deus, o que mais me daria saudade?
As pessoas normais assistem futebol pela TV; filmes em DVD; compram tudo pela internet; até um prosaico cachorro quente ou uma fornida garota de programa se encomenda pelo telefone.
Ah, sim, temos belas paisagens na cidade. Mas já são vistas e revistas. Pelo menos é o meu ponto de vista. Lagoa do Abaeté? Lagoa da Conceição? Ruínas de São Miguel? Cânion de Itaimbezinho? Morro da Polícia? Eu chego, dou mais uma olhada, faço um comentário – “legal” – e me mando. E só a força para me levarem de novo.
Santo Cristo, saudade de quê?
Dormi nos meus devaneios.
Tive um sonho/pesadelo muito estranho.
Estava num bonde, indo da avenida em que morei na minha adolescência, a Venâncio Aires, para o centro da nossa capital. Iria comer um cachorro quente nas cercanias do Mercado Público. Aí fui contar o dinheiro que tinha no bolso. Se pagasse o cobrador, não comeria aquele manjar divino – o cachorro de carrocinha. Resolvi sair correndo, quando a porta se abriu. E o motorneiro e o cobrador foram correndo para me pegar.
Acordei ofegante e suando. Mas fiquei na rede, me recuperando.
Estava com sede e lembrei de um primo, que já morreu. Éramos craques em tocar nas campainhas das casas da Cidade Baixa e perfeitos em tomar Minuano Limão de um litro e sair do bar em disparada. Sem pagar, é claro.
Dormi de novo. E novo sonho/pesadelo. As redes são terríveis.
Estava com alguns amigos parado na rua da Praia, vendo as gurias que passeavam. Pelo jeito, era um sábado. Aí resolvi ir sozinho ao cinema. Não tinha visto o jornal e percorri os mais tradicionais – Vitória, São João, Imperial, Guarani, Cacique, Rex. Neste, me agradou um filme proibido para menores de 18 anos. Devia ser de sacanagem. Comprado o ingresso, saquei a minha carteira falsificada de estudante, que me identificava com 19 anos. O porteiro me devolveu. “Tu não tem 18 anos”. E deu o assunto por encerrado. Fui rápido para o Guarani e a cena se repetiu. E a cena foi se repetindo em todas as salas, até que me acordei sobressaltado.
Desisti de procurar o que me dava saudade de Porto Alegre. Já era quase cinco da tarde. Coloquei um chinelo e fui para a fila do pão – sim, aqui na praia tem fila até no quiosque para comprar uma caipirinha.
No caminho da padaria, me deu saudade do seguinte programa de sábado da minha adolescência: Depois do almoço, ir de bonde ao Centro e procurar um filme que poderia ter alguma cena com uma atriz pelada. Depois comer um cachorro quente na volta do Mercado Público. A volta para casa de trólebus. Depois do banho, se preparar para a reunião-dançante da semana. E tentar decorar a nova música dos Beatles e a versão do Renato e seus Blue Caps. No almoço de domingo? Numa churrascaria ou no Sherazade, lá na parte alta da avenida Protásio Alves.
Um vidão.
É, dessa Porto Alegre tenho muita saudade.
(E dizer que eu tomei banho na praia de Ipanema!).