SOBRE LIXO E REMINISCÊNCIAS
Roberto Brenol Andrade*
Na redação do Jornal do Comércio |
Nasci e fui criado no Alto da Bronze. Eu e muitas crianças mais vivíamos na pracinha do Alto da Bronze. Um bairro (?) mágico que tem até música, feita há 70 ou 80 anos por um jornalista da época, e gravada inclusive pela Elis Regina. O bonde Duque, “gaiola”, o único circular da Capital, passava pachorrento, mas sempre de 15 em 15 minutos. Das 12h às 14h, silêncio, o comérico fechava em Porto Alegre. Todos estudavam nas Dores, no Paula Soares ou no Sévigné, nesse, as gurias, claro. Jogávamos vôlei e basquete na pracinha e muitos, como eu, estudaram no Jardim de Infância Pica-pau Amarelo, que está lá até hoje. Uma beleza de prédio. Também está lá o antigo prédio do Fernando Gomes, hoje Gal. Ernesto Dornelles. Nâo havia televisão, mas cinemas bons, como o Capitólio, o Marabá e o Imperial, além do Vera Cruz, depois Vitória, onde íamos, aos domingos, às matinês ver dois filmes pelo preço de um.
Éramos felizes e sabíamos.
Pois o lixo não falhava um dia no recolhimento.
Nem o carro que levava barras de gelo de porta em porta para abastecer as geladeiras (acredita?). Também passavam o padeiro e a “vaquinha do leite”, do Deal (Departamenro Estadual de Abastecimento de Leite), com leite pasteurizado. Um caminhonete com leite gelado. A gente levada a leiteira, o motorista cobrava e o ajudante abria a torneira do tonel para vender um ou dois litros.
Quase todas as crinças, como eu, tiveram sarampo, coqueluche e as doenças da época. O lendário Dr. Pitrez, morador do Alto da Bronze, figura que foi um segundo pai para todos nós, crianças, não dava bola e dizia que era melhor ter estas doenças quando na infância do que na idade adulta. Sábio médico.
Então, lixo é mais questão de competência, gerenciamento e boa vontade. Talvez a folclórica “vontade política”, como tinha, por exemplo, um Julio Rubbo, quando foi diretor-geral do DMLU.
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Famílias inteiras se davam muito bem, havia vizinhança, folguedos e as mais tradicionais, como os Pitrez (três médicos hoje, mais duas grandes amigas, irmãs dele, a Maria Luiza e a Maria Alzira, a querida Zoca), os Porto Alegre, todos os homens desta família são hoje oficiais reformados do Exército, sendo o que regulava comigo em idade, o Jorge Carlos, é general, o Rômulo Brasil, o Ubirajara Pedroso de Albuquerque, os irmãos e irmãs (gêmeas) Nogueira, o Roberto Nogueira também oficial reformado do Exército, o Odilon, o Bira, o Nenê, o Bocão, o Madrinha, e todos acabaram jogando basquete pelo Cruzeiro, que foi o primeiro campeão estadual infantil na categoria, em 1953, em Santa Cruz do Sul, time do qual fiz parte.
Famílias numerosas e que se davam por idade, mas uma fraternidade como jamais vi algo igual. Confirmo, éramos felizes e sabíamos, tanto que, anualmente, fazemos um jantar para rememorar.
Jornalista, nascido e criado no inesquecível Alto da Bronze, bem em frente à Pracinha, Duque de Caxias, 412, uma das três casas demolidas naquela quadra entre a General Portinho e a Vasco Alves.
Beleza de texto , serve como documento de uma época maravilhosa e, mais, de recordação do que foi bom, e tão bom que a meninada "sabia" que era bom. Hoje já não tem vizinhos amigos, já não se brinca na rua, todos em casa, presos dentro de grades e de salas ou quartos bem providos de video games , televisores e outros aparelhos eletrônicos, que enchem ou matam o tempo de meninos, jovens e adultos. Pior de todos é o telefone celular. Já não conversam, não trocam segredos, passam quase todo o dia digitando em seus aparelhos. Triste modernidade !Muito bom, Brenol de Andrade
Excelente o texto, Roberto Brenol! Claro que os tempos não são mais os mesmos, a sujeira disputa um pouco do espaço na pracinha e nem tem tantas crianças assim por lá. Mas tenho um filho de 1 ano e 6 meses que todos os fins de semana vai andar de balanço e brincar no escorregador do Alto da Bronze. O pai dele nasceu e se criou ali na frente, e a avó do meu filhote também. O pai estudou na Sítio do Pica-Pau Amarelo e, sim, ainda há boa vizinhança por ali. Algumas pessoas se conhecem pelo nome e tomamos chimarrão na frente da casa. Fico imaginando o quanto era bom, mas acho que ainda é. Não posso me queixar do Centro, onde moro há oito anos por opção e de onde não quero sair. Podemos, sim, naquela parte da cidade, deixar a chave da casa com o vizinho de cima quando saímos, todos se cumprimentam e, quando dá – pelo agito do dia-a-dia – até comemoramos os aniversários juntos. O mundo mudou? Sim, mas está em nós – pais de primeira viagem ou não – preservar alguns hábitos. Meu pequeno sabe bem melhor subir no escorregador do que ligar o DVD da Galinha Pintadinha (que é um amor, aliás, mas ele só consegue identificar há uns quatro meses).