Quarta, 4 de fevereiro de 2015

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ponto midiático especial

Uma vulgar
impressão sobre
a imprensa
‘popular’ da RBS
                                   Luiz Cláudio Cunha

Especial para o Blog do Prévidi
    
Caro
Prévidi,
Meu
texto “A tesoura da RBS vai em frente”, publicado originalmente no Jornal e gentilmente reproduzido em teu blog
em 13 de janeiro passado, mereceu três dias depois uma elegante contestação do
jornalista Roberto Jardim, no trecho que citava o Diário Gaúcho, o braço em Porto Alegre da chamada ‘imprensa
popular’ da RBS.  Ex-editor de Polícia
tesourado na safra de cortes do Diário
Gaúcho,
Jardim contesta a informação de que a redação do DG encolheu na
crise de 20 para 12 jornalistas (“o número inicial em 2000 era entre 35 a 40…
hoje, numa conta pelo alto, devem trabalhar lá cerca de 25 jornalistas”, diz) e
repudia como “preconceituosa” a classificação de “vulgar” que
dei à linha editorial do jornal.
Peço
licença, Prévidi, para fazer minhas observações. A saber:
1.                     
Dependendo do momento, das circunstâncias e das
fontes, os números da crise variam, mas a encrenca continua do mesmo tamanho.
Minhas fontes diziam que a redação de 20 foi decapitada para 12 repórteres, 60%
do total. Jardim corrige a informação, esclarecendo que a redução foi de 40
para 25 jornalistas, o que representa pouco mais de 62%. Ou seja, dá na mesma.
Mudam os números absolutos, mas permanece a proporção assustadora.
2.                    
Consultando rapidamente o site do jornal na internet (http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/pagina/quem-e-quem.html),
com nomes, função e fotos, é possível contar hoje — por enquanto — uma redação
de apenas 26 jornalistas, dos quais somente 10 na função de repórter.  Lá estão identificados, por área, dois
editores executivos e seus subordinados por editorias: Dia-a-Dia (2 editores, 4
repórteres), Variedades (2 editores, 1 repórter), Polícia (2 editores, 2
repórteres), Esportes (1 editor, um colunista, 1 repórter), Opinião (1
editorialista), DG On Line (2 repórteres) e Diagramação (2 editores, 2
diagramadores, 1 ilustrador).
3.                    
Jardim diz que é “uma visão um tanto quanto
preconceituosa’ minha avaliação como ‘vulgar’ do Diário Gaúcho, um jornal que, conforme meu texto, baseia sua linha
editorial em “notas policiais, futebol, fofocas de TV e fotos na capa de
mulheres com pouca roupa e muitas curvas”. Jardim lembra feitos marcantes do
jornal na área que coordenou, a Editoria de Polícia, destacando, entre outros,
que o DG foi o primeiro jornal do RS a alertar para os riscos do crack, além de
denunciar o índice crescente de homicídios na Região Metropolitana de Porto Alegre.
4.                   
Não desmereço o esforço dos bravos profissionais que
suaram, com tanta dificuldade, para realizar um bom trabalho em suas áreas.
Vivo em Brasília desde 1980, mas a distância não me impede de avaliar que esse
não é um jornal que atraia minha leitura ou atenção. Há quem goste. Eu não
gosto.
5.                    
Fundado em abril de 2000, o Diário Gaúcho representa a rendição da RBS ao segmento lucrativo
dos jornais populares que tentam capturar clientes, não necessariamente
leitores, nas camadas menos exigentes da população de classe C, D e E,
geralmente mais interessadas nos brindes de panelas, pratos, copos e kits de
cozinha do que na qualidade da informação. 
O fast-food do DG é baseado em
quatro editorias que resumem seu intragável cardápio calórico: Polícia,
Esportes, Variedades e Esportes. Há quem goste. Eu não gosto.
6.                   
 Essa fórmula
vencedora, embrulhada em selos diários que dão direito aos brindes, não é uma
invenção da RBS. Ela prolifera nos grandes centros do país, como recurso de
caixa das grandes empresas para driblar a queda de vendas de seus jornais
tradicionais. São diários ditos ‘populares’, que seduzem seu público mais pelo
brilho das bugigangas de cozinha do que pelo conteúdo de jornalismo de
entretenimento que oferecem.  Eles miram
consumidores, não leitores.   Não
traduzem uma esperta manobra para ampliar o público que consome informação, mas
refletem uma rendição às demandas mais rasteiras de quem busca utilitários
domésticos casualmente embrulhados em páginas de rasteiro jornalismo. Todos
nivelados pela grife que os identifica na triste mesmice: uma primeira página
feia, visualmente pobre, cheia de fotos ruins e letras garrafais, manchada com
cores berrantes e  manchetes aberrantes.
7.                    
No início do milênio, o campeão de tiragem do país, a Folha de S.Paulo, se orgulhava de ser ‘o
terceiro maior jornal do Ocidente’, vendendo um milhão de exemplares aos
domingos. Hoje não chega a 300 mil exemplares. O maior jornal do Brasil, com
302 mil exemplares, agora é o primo mineiro do DG gaúcho, o SuperNotícia,  de Belo Horizonte, com a mesma fórmula
vencedora e vendedora de jornalismo vulgar, embalado pelo preço baixo (75
centavos) e muita polícia, futebol, fofoca de astros globais e fotos de moças
hiper desinibidas em biquínis super acanhados. O Agora São Paulo, jornal popular do Grupo Frias, vende 110 mil
exemplares, um terço de seu primo rico, a Folha
de S.Paulo. 
O quinto maior diário do
Brasil, o Extra, com tiragem de 225
mil exemplares, é o lado popular do Grupo Globo, oferecendo o mesmo cesto
hipnótico de futebol, polícia, TV e selos para troca de brindes.

      Os maiores jornais do Brasil e do Rio Grande: garotas
e o modelito barato da vulgaridade
8.                   
Mais do que uma discussão acadêmica sobre o perfil
dessa imprensa ‘popular’, falam mais alto os resultados sonantes da estratégia
marqueteira. Tanto que o Diário Gaúcho
cresce só com a venda em bancas, superando o primo rico da casa, a Zero Hora, que se segura principalmente
nas assinaturas. O DG, acusa o IVC (Instituto Verificador de Circulação) de
setembro passado, agora é o maior jornal do Rio Grande do Sul: vendeu naquele
mês 185 mil exemplares diários, contra 170 mil da ZH.  Como se vê, há muitos que gostam. Eu não
gosto.
9.                   
A política de resultados poderia justificar este
duvidoso exemplo de jornalismo, que não satisfaz um paladar mais apurado. Os
números provam que, cada vez mais, há quem goste. Eu não gosto. O sucesso de
vendas não exime o DG e seus congêneres ‘populares’ de serem exemplos de um
jornalismo vulgar, que traduz exatamente o que penso sobre este tipo de
imprensa que mira os sentimentos mais primitivos de um leitor que se move não
pela reflexão, mas pela reação instintiva ao que é grotesco, bizarro,
espalhafatoso — ou simplesmente ‘mundo-cão’.
10.                
É uma expressão inventada na TV pelo apresentador
Jacinto Figueira Júnior (1927-2005), criador na TV Globo em 1966 do programa ‘O
Homem do Sapato Branco’, que trazia para o estúdio, ao vivo, brigas
constrangedoras de casais e casos repulsivos de polícia.  Jacinto morreu, mas o estilo sobreviveu e
prospera hoje nas grandes redes de TV, graças ao ibope persistente de
apresentadores furiosos e mesmerizados como Ratinho (SBT), José Luiz Datena e
Luiz Bacci (BAND), Marcelo Rezende (Record) e outros menos notórios, mas que
proliferam aos gritos em todas as manhãs e tardes nas telinhas truculentas do
País. Traduzem, ecoam, berram sempre uma visão policial e teratológica da
realidade, não a preocupação social de uma segurança pública falida e
desarvorada pelas balas perdidas da incompetência e da violência. Há quem
goste. Eu não gosto.
11.                  
Este ‘mundo-cão’, que ajuda a manter a audiência na
TV, foi adotado pela mídia impressa na chamada ‘imprensa popular’ que procura
leitores/consumidores a qualquer (baixo) custo e apelando para qualquer
(ordinário) recurso. Ninguém deve se sentir ofendido pelos adjetivos que
identificam esse jornalismo ‘mundo-cão’ pelo que ele é de fato: vulgar, banal,
pueril, pífio, grosseiro, vil, sensacionalista. Essa imprensa não define o
caráter dos nobres profissionais que ali exercem seu ofício com dignidade, mas
revela a essência da ótica empresarial que se preocupa mais com a receita e o
lucro, e menos com a excelência da informação e a qualidade do produto
jornalístico. 
12.                 
Roberto Jardim, o ex-editor do Diário Gaúcho, defende o miolo do jornal e do projeto, atribuindo
sua má imagem apenas à primeira página: “Só a capa, que é feita para vender,
não traduz o bom jornalismo que os profissionais que passaram e ainda estão por
lá fizeram e fazem”. Pois eu não gosto do produto final, já a partir da capa,
que traduz o tipo de jornalismo tacanho dessa dita imprensa ‘popular’. O DG de
Porto Alegre tem um irmão siamês em Florianópolis, o Hora de Santa Catarina, nascido em 2006. Seus 30 mil exemplares,
com preço de capa de 1 real, são vendidos nas bancas dos 15 municípios da
região metropolitana da capital. Além do preço baixo e dos inevitáveis brindes
de cozinha, o Hora centra fogo no
cardápio que supostamente atende à dieta restrita de seu público de renda
magra: notícias de crimes, aventuras amorosas de artistas e famosos, os lances
do futebol regional e as fotos de praxe de mulheres com muita saúde e pouca
roupa. É mais do mesmo, com a mesma fragilidade, a mesma banalidade, a mesma
mediocridade. E há, como eu, quem não goste.  

 O editor-executivo do jornal acusa: “Hora só vende
pelo brinde de panelas péssimas da China…”
13.                 
Fabiano Golgo, editor-executivo do Hora de Santa Catarina entre 2012 e 2013, também não gosta. Ele leu aqui no Blog do Prévidi a contestação
de seu ex-colega do DG ao meu texto sobre as vulgaridades do jornal gaúcho. E
decidiu rebater as observações de Jardim, confirmando minha opinião e agregando
seu importante testemunho sobre o que viu e viveu em Florianópolis, num texto
publicado neste blog em 20 de janeiro passado. Produtor dos programas dos
consagrados Flávio Alcaraz Gomes e Mendes Ribeiro na rádio e TV Guaíba na
década de 1980, Golgo viajou em 1991 para os Estados Unidos, onde fez estágios
na CNN, MTV e The New York Times.
Mudou-se para a Europa, atuou como correspondente do Jornal do Brasil no Leste Europeu e, a partir de 2000, foi editor,
apresentador e comentarista de revistas, rádios e emissoras de TV na República
Tcheca. Dirigiu dois semanários de atualidades em Praga, o Redhot e o Mlada Fronta Plus,
antes de assumir em 2005 o Metro,
versão local do jornal sueco gratuito que se tornou o diário mais lido da
capital tcheca. Voltou ao Brasil em 2012 para assumir o posto de
editor-executivo do Hora de Santa
Catarina.
14.                
Pelo que contou aqui no Blog do Prévidi, Golgo teve um
amargo regresso. “Sempre fui hostilizado por não querer entender que o jornal é
vendido em virtude dos cupons para retirada de panelas e outros produtos de
péssima qualidade, trazidos da China por uma empresa terceirizada, e não pelo
conteúdo, se não levarmos em consideração o horóscopo e o futebol”, escreveu. “Eu
tentei mostrar que nossos editores – todos formados em Jornalismo – poderiam
facilmente escrever seus próprios textos sobre os fatos do mundo, nas minguadas
páginas do jornal que não eram ocupadas por conselhos sexuais, fotos de bebês,
avisos entre namorados e fotos de buracos que a prefeitura de Florianópolis
deveria consertar. Mas a engessada RBS não gosta de ondas, a não ser que sejam
promovidas pelo sétimo andar da [avenida]
Érico Veríssimo [sede da RBS em Porto
Alegre
], por um clubinho fechado de pessoas sem contato com a realidade de
seus leitores”.

Jardim, do Diário, e Golgo, do Hora, editores tesourados na RBS: um defende, o
outro ataca
15.                 
Golgo respondeu diretamente a Jardim: “Quanto à
contestação do colega que foi demitido pelo Diário
Gaúcho
, eu fui orientado de forma diferente, recebendo a ordem de basear o
jornal no esporte, nas amenidades, e não na relevância de seu conteúdo”.  Golgo entra de sola na copa e cozinha do
jornal: “A verdade era que o título só vendia mesmo por causa das panelas.
Quando cheguei à firma, descobri que os chefinhos da parte catarinense vinham
escondendo dos chefetes — tipo Marcelo Rech [diretor executivo de Jornalismo da RBS], da central mantenedora e
decisória, gaúcha — o problema das tais panelas. A empresa distribuidora, que
encomendava o produto da China, não entregou número suficiente de produtos e os
leitores portadores de cartelas preenchidas com os colecionados cupons, que
saem na capa do jornal, simplesmente não estavam podendo retirar seus sonhados
utensílios de cozinha. E o atraso já se referia a três produtos. Há meses, as
quatro moças do atendimento ao cliente não davam conta do número de ligações
com reclamações diárias. Descobri que toda a redação vinha sendo obrigada, a
contragosto, a também atender esses raivosos leitores, já que as telefonistas
não conseguiam atender a todos. Chegavam a ser 180 ligações por dia”, revelou.
16.                
Golgo, assim como Jardim, faz pesadas restrições à
primeira página e sua arma de sedução em massa — as fotos de garotas
pretensamente sensuais. “As moçoilas que são obrigatórias na capa e na
página central, inevitavelmente de biquíni e com silicone, me davam muito
trabalho, pois, apesar de ter sido Editor-Chefe da Playboy tcheca, em 2002, era muito difícil cumprir a ordem do meu
superior de escrever nos balões textos ‘safadinhos e picantes’ sobre as
senhoritas, e de criar mais dois, com o mesmo tom, para a parte interna.
Portanto, a vulgaridade é, sim, elemento de venda do jornal. Eu mesmo, sabendo
disso, implantei a chamada quase diária na capa da coluna de sexo, com frases
apelativas, tipo ‘Por trás sempre dói? Esposa conta como aprendeu sexo anal com
o amigo do marido’…”, confessa o ex-editor do Hora de Santa Catarina.
 17.                 
Em agosto passado, quando o fio aguçado do consultor
Cláudio Mãos de Tesoura Galeazzi escancarou a dura política de ‘reestruturação’
financeira da RBS em crise, ceifando 130 empregos de uma só vez, a empresa
tomou uma discreta decisão para economizar ainda mais à custa dos eleitores
menos atentos. Um núcleo de cinco pessoas foi criado na sede da empresa, em
Porto Alegre, para fazer o que muitos fazem, no recesso do lar ou na rotina do
trabalho: apelar para as teclas do Ctrl+C e Ctrl+V, o prosaico Copiar e Colar.
Páginas inteiras, das editorias de Mundo ou de TV, eram simplesmente copiadas
do jornal principal para o jornal secundário. Isso acontecia da Zero Hora para o Diário Gaúcho e do Diário
Catarinense
para o Hora de Santa Catarina, economizando gente e recursos às custas da boa fé do
leitor, que inocentemente imaginava estar consumindo material exclusivo. Sempre
criativa, a RBS deu um nome em código para esta equipe que copia e cola páginas
de um jornal para o outro: ‘Projeto LEGO’, o celebrado jogo de encaixe de peças
que permite inúmeras combinações e imagens. A lúdica solução da RBS com o
‘Projeto LEGO’ define bem o momento empresarial que vive, encaixando páginas
mais baratas em jornais ajustados às combinações mais rentáveis, certos de que
os leitores de jornais distintos em Porto Alegre e em Florianópolis não vão
perceber o truque. Mas, há sempre alguém que percebe. E que acaba avisando o
atento Blog do Prévidi.  
18.                
O ex-editor-executivo do Hora de Santa Catarina, Fabiano Golgo, escancarou a prática no
texto que enviou para este blog, contando: “Logo de início, contestei o
modelo preguiçoso e inadequado ao público-alvo do jornal, onde praticamente
todos os textos do Hora eram versões
encurtadas de textos originais do Diário
Catarinense
ou do Diário Gaúcho.
Meu mais notório confronto foi em relação ao desrespeito ao leitor catarinense
pela prática de se imprimir uma cópia da página central, de fofocas, do Diário Gaúcho, um dia mais tarde, no Hora de Santa Catarina. Isso em plena
era virtual, onde — ao invés de ver a chefe da seção de ‘Entretenimento’ lendo
em papel, no próprio DG, feito no dia anterior, aquilo que ela colocaria na
página mais concorrida do seu diário, no dia seguinte –, poderia menos
preguiçosamente receber os textos via sistema interno de comunicação, e
oferecer ao leitor um produto mais fresco. Praticamente dois dias de velhice
das notinhas sobre idiotices — tipo o que a Bruna Marquezine disse sobre o
Neymar  — era algo que nunca pude aceitar
e não me contive em ser insistente, em quase todas as reuniões de pauta”.
19.                
Golgo foi impiedoso na descrição que faz das
performances do diretor-presidente da RBS, Eduardo Sirotsky Melzer, o popular
Duda, nas reuniões internas do grupo: “Quando eu vi o Duda em um palco, dando
uma de apresentador, durante um aniversário da empresa, com milhares de
funcionários na plateia do Ginásio Tesourinha [em Porto Alegre] — todos com camisetas idênticas da RBS, e a Redação
catarinense toda sendo obrigada a colocar os fones de ouvido e assistir a
transmissão do evento em seus computadores e pelos televisores espalhados pelas
paredes —, me pareceu uma cena com aqueles líderes comunistas, tipo o romeno
Nicolae Ceausescu ou o general polonês Wojciech Jaruzelski, em frente aos seus Politburos, todos com o mesmo uniforme.
Ou aquela propaganda do ‘Bonita camisa, Fernandinho!’… A versão Sílvio Santos
do Duda foi comédia trash. Com
carisma zero e problemas técnicos constantes, só não foi pior que suas
reuniões, direto da Redação da Zero Hora,
com todo o grupo, para responder às perguntas dos funcionários. Nunca vi uma
pergunta sequer que não fosse sobre salários ou benefícios. O interesse pelo Jornalismo
com J maiúsculo ou ideias sobre adaptação ao novo panorama midiático não faz
parte do DNA da  firma. A RBS leva os funcionários a fazer apenas o que
são obrigados, recolhendo seus minguados salários no final do mês e rezando
 para sobreviver aos potenciais cortes anuais”, condena Golgo.
20.               
Os cortes, agora, são mais frequentes. São mensais,
para diluir o impacto do ajuste implacável que tesoura empregos e salários. O
Sindicato dos Jornalistas tem informações, não confirmadas ainda, de um acordo
entre a RBS e a Delegacia Regional do Trabalho para que as traumáticas demissões
em massa sejam parceladas em doses homeopáticas, reduzidas, semanais. Na
primeira planilha de 2015, a de janeiro, o Sindicato gaúcho registra cinco
demissões da RBS entre as 17 anotadas no mês. E avisa que outras quatro
demissões já estão agendadas pela RBS para fevereiro, na previsão feita em 30
de janeiro – e que sempre pode piorar.
21.                 
A RBS tenta enganar a crise do jornalismo com a
solução mais rasteira e medíocre: demitindo jornalistas.  De forma massiva ou em doses pequenas para
disfarçar o estrago, a dura tesourada nos custos imposta à RBS pelo Método
Galeazzi acaba turvando a visão de profissionais experientes, cada vez mais
confusos e sacrificados pela crise de qualidade que compromete, a cada dia, o
jornalismo praticado pela empresa dos Sirotsky em suas diferentes plataformas.
Para quem duvida, basta acompanhar a crônica de horrores que o Blog do Prévidi
registra todo santo dia, anotando erros, descuidos, deslizes, derrapadas nas
informações e trombadas no vernáculo dos sites, blog, colunas, editorias e
manchetes produzidas pela RBS nos jornais, rádios e TVs do grupo. É uma safra
inacreditável de mancadas, muitas delas cômicas, que refletem amadorismo,
pressa e inexperiência. São filhos diretos da política de cortes e ajustes que
sacrificam os empregos, a experiência e a qualidade de redações e equipes
adolescentes subjugadas pela rigidez contábil e tacanha de executivos de
resultados, sem quaisquer compromisso com o jornalismo.
22.               
Os diretores e funcionários mais graduados do clã Sirotsky ainda tentam
justificar tais equívocos, defendendo o acerto de projetos indigentes como os
dos jornais ditos ‘populares’, que se explicam justamente pela pobreza –
editorial, material, visual e ética. Um dos executivos da RBS chegou a comparar,
para mim, os dois jornais da casa em Porto Alegre: “O Diário Gaúcho é e sempre foi um jornal melhor resolvido com o seu
leitor do que a Zero Hora em relação
ao dela. É um outro mundo, que a gente não entende e não vive. Por isso temos
que ter cuidado com as análises sobre sua suposta vulgaridade…” Esta frase
coloca uma questão intrigante. Se o jornalismo dito ‘popular’ da RBS “é um
outro mundo, que a gente não entende”, como se ousa fazer um jornal para um
mundo que estes jornalistas não entendem e não vivem? Quem concedeu a
empresários “deste mundo” a franquia para esta irresponsável aventura
interplanetária que invade mundos estranhos com jornais de baixa qualidade
produzidos por alienígenas que não entendem e não vivem o mundo de seus ignotos
leitores? Essa é a grande, a obscena vulgaridade dessa impiedosa jogada
empresarial que cava e escava leitores nos grotões da periferia, à custa de
panelas chinesas de segunda e do mundo-cão de terceira categoria.
23.               
A RBS conseguiu, afinal, cair no fundo do poço da vulgaridade, virando
ré de um inédito inquérito civil instaurado contra ela, no dia 27 de janeiro
passado, pela Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região do Ministério
Público do Trabalho, que abrange o Rio Grande do Sul. O processo de número
quilométrico, 0000177-85.2011.5.04.0019, oriundo da 19ª Vara do Trabalho de
Porto Alegre, com oito volumes e exatas 1.511 folhas,  evidentemente não foi revelado ao povo gaúcho
pelo mais importante jornal do Estado, a Zero
Hora.
 A notícia foi um ‘furo’ deste
bravo Blog do Prévidi, que noticiou este fato espantoso no dia seguinte à
decisão da Procuradoria do Trabalho, já na quarta-feira, 28 de janeiro. Ali
está escrito que a RBS responde, nos termos da legislação trabalhista, pelo
item 03.01.06 do código, que trata expressamente do ‘Desvirtuamento de Pessoa
Jurídica’, truque que os sindicatos costumam denunciar como ‘precarização do
trabalho’. Na denúncia da Procuradoria do Trabalho, está escrito que a RBS
virou ré por “desvirtuamento da relação de emprego pela determinação de criação
de pessoa jurídica por trabalhadora cujas atividades eram prestadas de forma
habitual e com subordinação, estando vinculadas às necessidades essenciais da
tomadora do serviço”.
24.               
O maior constrangimento público e legal vivido pela RBS em sua história
não é produto de uma desavença com nenhum jornalista importante ou conhecido. O
pivô do processo é uma discreta senhora de 52 anos, com apenas 221 amigos na
sua página do Facebook, natural de Porto Alegre, que nem passou por uma redação
nem pelo ofício de jornalista. Sonyara Thiele, identificada no processo como a
‘reclamante principal’, é formada em química pela PUC de Porto Alegre, onde
ingressou em 1988.  Trabalhando no
Banrisul, especializou-se em informática e em programação de computador.
25.               
Em 1998, conta Sonyara, ela foi chamada pela RBS para trabalhar no
sistema de computação que administrava a entrega e a distribuição pelo Estado
das edições de Zero Hora. “Eu nem era
contratada, nem tinha carteira, nem salário. Eu ganhava por hora trabalhada.
Mas tinha chefe, tinha horário de trabalho e viajava muito. Cheguei a ser
mandada para Santa Catarina, para implantar o mesmo sistema no Diário Catarinense e no A Notícia, o jornal da RBS em Joinville.
Até que um dia, em 1999, me pediram que eu abrisse uma empresa. Criei então a
Thiele Informática. Apesar disso, me contrataram como pessoa física, reduzindo
pela metade o que eu ganhava. Alguém do departamento jurídico me disse que eu
representava um passivo trabalhista muito grande”, lembrou Sonyara ao telefone,
nesta terça-feira.
26.               
A situação de Sonyara virou um inferno em meados de dezembro de 2010,
quando ela testemunhou na Justiça do Trabalho em favor de uma colega de
serviço. Seu emprego sobreviveu apenas algumas horas. “Fui demitida dois dias
depois. ‘Você não ficaria aqui nem que fosse a melhor funcionária de todas.
Você não vestiu a camiseta da RBS, ao testemunhar contra a empresa’,
reclamaram. Eu fiquei muito abalada, foi a primeira e única demissão da minha
vida”. Em fevereiro de 2011, Sonyara entrou na Justiça contra a RBS, reclamando
seus direitos trabalhistas, vínculo empregatício, salários perdidos, férias,
13º salário, além de indenização por danos morais pela retaliação ao seu
testemunho na Justiça.
27.               
Sonyara, hoje à frente de uma loja de artesanato em tecidos na avenida
Juca Batista   — a ‘Maria Antônia
Patchwork e Bonecos’ —, ministra ali cursos de bordados, cartonagem, bonecos,
tricô e crochê. Entretida no mundo sereno e entretecido dos artesãos, Sonyara
ficou surpresa com o desfecho retumbante de um processo trabalhista que
capengava há anos na Justiça. Ela foi alertada pelo marido sobre o nome e
sobrenome da procuradora do Trabalho que ele nunca viu: uma certa Paula
Rousseff Araújo, filha de um ex-guerrilheiro e advogado, Carlos Araújo, e de
uma ex-guerrilheira e atual presidente da República, Dilma Rousseff. Mentes
mais criativas da cúpula dos Sirotsky viram na ação inesperada da procuradora
Paula uma atravessada retaliação contra a RBS pela suposta linha de oposição e
crítica de Zero Hora ao governo de
sua mãe. Um Sirotsky mais esperto poderia imaginar, também, que é apenas a ação
natural de uma diligente procuradora do Trabalho, chamada Rousseff, que cumpre
sua obrigação funcional independente de ser ou não filha da presidente da
República.

       
Paula
Rousseff, a mãe Dilma e a reclamante Sonyara: “desvirtuamento de emprego na
RBS”
28.               
O processo em que a RBS é ré em inquérito civil aberto pelo Ministério
Público do Trabalho revela que há na empresa dos Sirotsty quem  goste do “desvirtuamento da relação de
emprego”. A procuradora Paula Rousseff não gosta.   
        Luiz Cláudio Cunha  
      
                                                                                                        
cunha.luizclaudio@gmail.com

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