até o meio-dia
especial
Nesta sexta, uma cesta de
FLÁVIO DUTRA, O “VÔ DAS CALDÁVEIS”
Brincadeirinha! O Flávio Dutra é um dos mais respeitados jornalistas do RS.
E escritor – lança em breve o terceiro livro.
Deliciem-se!!
AFLIÇÕES DE UM MARIDO EXEMPLAR
Meu bom amigo Diogo* é um cara de múltiplos interesses e atividades variadas, que o levam a ser alvo de tentações a todo o instante. Até mesmo nas proximidades da sua base profissional mais efetiva no momento ele tem recebido ofertas as mais ousadas e desinibidas possíveis, de serviços e pessoas muito profissionais. Coisas do tipo Love Point (“para homens de bom gosto”), Vip Class (“realize suas fantasias”), Brazil (sim, com z) Privê (“ambiente discreto e climatizado”), Casarão (“o melhor privê de Porto Alegre), Super Top (“mais de 20 gatas”), Carmen’s Club (este dispensa apresentações) e todo o tipo de massagens, inclusive à domicilio. As ofertas são apresentadas em pequenos folhetos distribuídos aos passantes, ou colocados nos vidros dos carros e invariavelmente ilustrados com moças dotadas de belos calipigios. Chama atenção que são aceitos todos os de cartões de crédito das mais conceituadas instituições bancárias.
E o que o bom Diogo tem a ver com isso? Muito pouco, a não ser o fato de que ele tem sido vítima constante dos distribuidores dos tais prospectos eróticos, tanto assim que já se questiona se não passa a impressão de que está com saudade da coisa ou, o que é pior, aparenta ser uma pessoa devassa, ávida para desfrutar momentos de luxuria nesses mal afamados locais. Homem de boa índole, marido amoroso, cidadão de conduta exemplar, o coitado do Diogo se martiriza com a situação.
O martírio dele, diante das tentações, se agrava quando desempenha outra atividade, recepcionando delegações do exterior, autoridades ou empresários que aqui aportam em busca de negócios. O trabalho é gratificante, mas coloca nosso amigo em cada saia justa que vou te contar. Recentemente ele precisou reservar acomodações para cinco estrangeiros e como todos os hotéis estavam lotados a solução foi contratar apartamentos em um motel da zona leste, depois de muita conversa com o gerente explicando a origem dos hóspedes e a emergencialidade da hospedagem. Tudo acertado, à noite Diogo voltou ao motel para apanhar os estrangeiros e levá-los para jantar. À saída do estabelecimento , com a sua van carregada dos estrangeiros, um grupo de homens altos, fortes, quase gigantes de ébano, foi surpreendido por um casal de idosos que passava pelo local. Diogo ainda tentou afetar naturalidade, mas pode ouvir claramente quando o homem comentou com a mulher:
– Pouca vergonha, como permitem uma coisa dessas aqui na vizinhança?!
Pior foi a resposta da senhora:
– Como ele aguenta esse montão de homem?!
Apesar do reconhecimento dos visitantes ao acompanhante, expresso em animados discursos durante o jantar, Diogo estava transformado em um farrapo humano, lembrando o casal de idosos e suas insinuações sobre o que teria acontecido no recôndito do motel.
De outra feita, igualmente recebendo um grupo de estrangeiros, o mais saliente dos visitantes insinuou que gostaria de conhecer uma casa noturna cuja fama chegara a sua terra, transmitida por viajantes que o precederam. Num inglês enrolado deu a entender que era o Gruta Azul, conceituado estabelecimento que, eventualmente, permite que as belas moças que transitam pelo local sejam cooptadas para programas, como direi…,mais movimentados.
Pedido insinuado, pedido realizado e lá se foi nosso amigo ciceronear o grupo no Gruta Azul. Antes, deixou claro que não ficaria para a noitada, porque, como já sabemos, não era homem dado a frequentar esses lugares. A desculpa para os gringos foi outra, mas antes de deixá-los instalados num camarote vip, fez mil recomendações ao gerente, exigindo que fossem tratados como realezas e recebessem do bom e do melhor.
Diogo confessa que foi pra casa com aquela ponta de desassossego a perturbá-lo. Aquele bando de estrangeiros soltos no Gruta, bebida à vontade, as moças rondando e ninguém para controlar… Margem de risco enorme.
O sono custou a vir e, quando chegou, foi entrecortado por despertares em sobressalto. Até que o telefone tocou na madrugada e ele prontamente atendeu. Do outro lado da linha, ouviu um coro:
– Diogo, Diogo, Diogo! Thank you, Diogo. Obrrrigado, Diogo. Diogo, Diogo, Diogo!
O nome dele, pronunciado daquela forma e com sotaque estrangeiro, foi um momento emocionante, embora o coro fosse poluído por gritinhos femininos ao fundo. Pelo jeito, era uma fuzarca e tanto!
Pelos serviços prestados e a atenção dispensada aos visitantes, Diogo assumira a condição de ídolo, só que estava bloqueado para aproveitar as benesses decorrentes das suas relações internacionais. Por isso, consciente das suas aflições, lamentava-se no dia seguinte, repetindo uma frase que acabaria virando bordão:
– Agora só me resta aderir à massagem tântrica.
*Nome fictício, por razões óbvias.
BÍBLICA
chegado a grandes e pequenas aventuras e desventuras. Conversa vai,
conversa vem, o Totta emenda uma história de sua passagem por Santa Maria,
quando era um irrequieto adolescente em busca de novas emoções. Nosso amigo
juntou-se a um bando de iguais, cuja maior transgressão era fumar
maconha. Estamos falando do final da década de 60 do século
passado. A cannabis sativa não tinha a aceitação de hoje, quando é
comum sentirmos nas ruas e nas praças cheiro característico da erva sendo
consumida. E na conservadora Santa Maria de então quem fumava maconha era
marginal.
dos donos de boteco quando a gurizada, cheia de constrangimentos,
procurava o papel especial para enrolar unzinho.
a raspar o invólucro interno dos maços de cigarro, o chamado “ourinho”, até que
ficasse uma camada de papel bem fina, pronta para receber a erva. Dava
uma trabalheira danada, mas não existem barreiras para uma juventude criativa.
viagem de uma tia velha de um dos seus mais ativos membros e isso significava
um enorme apartamento disponível por um fim de semana inteiro. Apesar do tempo
decorrido, Totta evita detalhar o que aconteceu naquele espaço num fim de
semana trepidante. Entretanto, revela que foi naquela ocasião que
recebeu uma “ verdadeira inspiração dos céus”.
levantamento minucioso de todas as peças do amplo imóvel, até chegar ao quarto
da senhorinha. Era uma peça decorada sobriamente, de acordo com o perfil
da ocupante: uma cama de solteiro com uma colcha mais vistosa, um guarda
roupa de tonalidade escura, uma cômoda também escura e a mesinha de
cabeceira, suporte do inevitável abajur e do relógio despertador,
dos antigos com duas campainhas. E, em destaque sobre a mesinha,
uma Bíblia, a Bíblia Sagrada, volumosa, colorida e de capa dura. “Uma
preciosidade”, pensou Totta, que movido por sua incomensurável
curiosidade começou a folhar o livro, detendo-se aqui e ali num
versículo, embebendo-se das exortações bíblicas. Foi então
que, manuseando aquelas páginas de fino e precioso papel , ocorreu a inspiração
dos céus. “Pessoal, pessoal , olha aqui o que eu achei”, convocou.
ele, diante da solução para o recorrente problema de enrolar unzinho. A
partir de então, o livro sagrado ficou sob a guarda do sobrinho da
dona da casa que, para não dar na vista, destacava página por página começando
com o Antigo Testamento e o suficiente para uma rodada.
tanto do Evangelho de Mateus e outro pedaço do Atos dos Apóstolos, revela
Totta, hoje ex-atleta da erva.
nostalgia, enquanto sorve mais uma dose do seu Cabernet. “Um tinto encorpado…
é só o que me resta”, resmunga, esperando nossa careta solidariedade.
–
A PROFESSORA E O BONITÃO
A professora chegou ao bailareco lá no Interior, acompanhada de uma amiga, avaliou o ambiente e logo achou o que procurava:
– Olha lá aquele bonitão-tudo-de-bom, amiga. Será que eu tenho chance com ele?
Foi empatia à primeira vista. Parece que ele ouviu a pergunta, em seguida encostou na dupla e convidou a professora para dançar. Rodopia daqui, rodopia dali, a professora ficou cada vez mais encantada. Além de tudo, o bonitão-tudo-de-bom dançava bem e não escolhia ritmo.
No intervalo das dancinhas, afinal, ele buscou estabelecer o diálogo com a parceira:
– Tivemo sorte, né, peguemo só musica das boa.
– Peguemo e já larguemo,- atalhou a moça, deixando o bonitão-tudo-de-bom apalermado no meio do salão.
À amiga explicou que, como professora, não podia compactuar com aquela afronta à língua pátria, mesmo vindo de um bonitão-tudo-de-bom.
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– Teu namorado brilha os olhinhos naquela hora?
– Não sei, estou sempre de costas…