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ANDO DEVAGAR
PORQUE NÃO TENHO PRESSA
até o meio-dia
especial
Nesta sexta, uma cesta de
RUBEM FONSECA
É o mais genial contista brasileiro vivo e um dos melhores romancistas.
(José) Rubem Fonseca está com 93 anos.
Nasceu em Juiz de Fora (MG) e se criou no Rio de Janeiro.
Formado em Direito, em 1952 iniciou sua carreira na polícia, como comissário. Ficou por lá até 1956. Muito desse período está em seus livros.
Na Escola de Polícia destacou-se em Psicologia. Em julho de 1954 recebeu uma licença para estudar e depois dar aulas desta disciplina na Fundação Getúlio Vargas, no Rio.
Foi se aperfeiçoar nos Estados Unidos, entre setembro de 1953 e março de 1954. Aproveitou a oportunidade para estudar administração de empresas na New York University. Após sair da polícia, Rubem Fonseca trabalhou na Light até se dedicar integralmente à literatura.
Apoiou o golpe militar de 1964, foi um dos roteiristas contratados pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais.
Mesmo assim, em 1976, o seu fantástico livro Feliz Ano Novo foi proibido de circular, mesmo já estando a venda, e de ser publicado, por decisão do então Ministro da Justiça, Armando Falcão. A alegação seria de que a obra conteria matéria “contrária à moral e aos bons costumes”.
Sobre esse episódio, o então secretário-geral do Ministério da Educação e posteriormente Ministro da Educação no governo Geisel, Euro Brandão, em ofício ao Ministro da Justiça afirmou que “quanto ao livro “Feliz Ano Novo”, de autoria de Rubem Fonseca, aprovou-se solicitação a V. Exa. para que faça sentir ao Senhor Ministro da Justiça o nosso aplauso pela providência adotada contra essa obra realmente representativa da obscenidade literária em nosso País”
Criou, para protagonizar alguns de seus contos e romances, um personagem antológico: o advogado Mandrake, mulherengo, cínico e imoral, além de profundo conhecedor do submundo carioca. Mandrake foi transformado em série para a rede de televisão HBO, com roteiros de José Henrique Fonseca, filho de Rubem, e o ator Marcos Palmeira no papel-título.
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No tempo em que a Feira do Livro de Porto Alegre tinha importância, Rubem Fonseca participou da edição de 1976. Há pouco tinham proibido o seu livro “Feliz Ano Novo”. No dia em que estaria na Feira, botei o meu exemplar na bolsa e fui “catar” o meu ídolo para um autógrafo.
Por distração perdi o cara – sempre cercado de gente. Quando o vi, estava atravessando a Praça da Alfândega, indo em direção ao Hotel Açores, na Rua da Praia, próximo ao Cine Cacique.
Chamei-o pelo nome. Ele parou e pedui:
– Me dá um autógrafo!
Ele:
– Você tem o livro proibido.
– Sou um dos poucos.
Não lembro o que escreveu, mas neste pouco tempo foi um cara simpático.
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O livro, que seria uma relíquia?
Emprestei, quando morei no Rio, para um amigo chamado Álvaro Rabelo, que acabra de chegar, com a família, do exílio na França.
Não me devolveu e eu não tenho a menor ideia de sua vida, hoje.
Conto de amor
Quando servi o Exército eu me tornei especialista em bombas. Sei fabricar qualquer tipo de bomba portátil, muito usada por terroristas. A bomba que eu estava fazendo tinha que ter efeito fulminante, para que a vítima nada sofresse. E antes da explosão, era necessário que fosse emitido um feixe de luz radiante que fizesse a vítima perceber a iminência da explosão.
A pessoa que eu queria matar era o meu filho João.
Minha mulher Jane estava grávida quando fui enviado ao exterior com um contingente do Exército a serviço das Nações Unidas. Fiquei ausente cerca de dois anos. Escrevia constantemente para Jane e ela respondia. Quando o meu filho nasceu e recebeu o nome de João, as cartas de Jane ficaram bem estranhas. Ela dizia que precisava falar comigo uma coisa muito séria, mas não sabia como. Eu respondia impaciente para ela dizer de qualquer maneira, mas ela persistia na falta de clareza, que cada vez piorava mais. Afinal, Jane deixou de responder minhas cartas.
Quando voltei da missão da ONU, corri para casa assim que desembarquei no aeroporto.
Jane abriu a porta para mim. Seu aspecto me surpreendeu. Estava envelhecida, pálida, parecia doente.
“Onde está o João?”, perguntei. Jane começou a chorar convulsivamente, apontando a porta do quarto onde ele estava.
Entrei no quarto, seguido de Jane.
João estava deitado no berço, um menino lindo, que ao me ver deu um sorriso. Peguei-o no colo. Então, tive uma surpresa que me deixou atônito. João só tinha uma perna e um braço, eram os únicos membros que possuía.
Jane estendeu-me um papel, todo amassado, uma receita médica onde estava escrito: esta criança sofre de focomelia, uma anomalia congênita que impede a formação de braços e pernas. Jane cuidava do João com o maior cuidado e com grande carinho. Mas ela definhava cada vez mais e morreu quando João tinha seis anos. Eu dei baixa no Exército para poder cuidar do meu filho. Quando eu perguntava se ele queria alguma coisa, ele dizia “Eu quero ir para a guerra”.
Sua deficiência física se agravava com a idade. Ele tinha 15 anos, mas não podia andar, estava impossibilitado de exercer as mínimas atividades físicas.
“Eu quero ir para a guerra, papai”, ele pediu mais uma vez.
Então decidi que ele iria à guerra. Foi quando preparei a bomba.
Com a bomba na mão eu disse: “Meu filho, você foi convocado para ir à guerra.”
“Obrigado, meu pai querido, eu te amo muito.”
Eu o amava mais ainda.
Coloquei a bomba na sua mão.
“Essa bomba vai explodir. É a guerra”, eu disse.
“É a guerra”, ele repetiu feliz.
Saí do quarto onde estava. Pouco depois vi o clarão.
João também viu esse clarão, feliz, antes da bomba explodir, matando-o.
Eu amava o meu filho
Um homem de princípios
Não gosto de matar barata, nem piolho, nem seres humanos. Não mato por ódio, ciúme, inveja, medo, casos em que o mata-dor é também vítima desse sentimento, ou, se preferem, dessa percepção, ou noção, ou senso, ou consciência. Não conheço as pessoas que eu empacoto. Nada sinto por elas, mas tenho meus princípios.
O Despachante, que eu nunca via pessoalmente — não sabia se ele era branco ou preto, alto ou baixo, magro ou gordo —, en-viou para mim do celular descartável uma foto com o nome e o endereço do freguês. O Despachante depositaria na minha conta metade do pagamento adiantado e a outra metade depois que eu fizesse o serviço.
O freguês, um sujeito gordo, calvo, na faixa dos quarenta anos, morava na Zona Sul, num prédio na quadra da praia, e todos os dias saía de manhã para tomar um cafezinho e comer pão de queijo, essa coisa engordativa, numa loja de conveniên-cia (acho esse nome idiota) que ficava perto da praça que tem o nome de um poeta e prosador português do século XIX. Sei que as pessoas, em sua maioria, são ignorantes e não sabem de qual poeta estou falando. Isso é bom.
O prédio tinha porteiro dia e noite. Eles se revezavam de oito em oito horas. Ficavam atrás de vidros escuros, as pessoas da rua não os viam, mas eles as viam nitidamente. Na porta de entrada da grade que cercava o edifício havia uma pequena caixa protegida da chuva que recebia e transmitia a voz, e um pino de campainha para o visitante apertar. Se fosse um mora-dor, o porteiro acionava um comando eletrônico e abria a porta. Mesmo sendo um parente do morador, o porteiro só o deixava entrar se recebesse autorização expressa antes. No caso de um desconhecido, o porteiro perguntava pelo alto-falante o nome e o seu objetivo. Se o desconhecido dissesse um nome que não constava da lista de todos os moradores que o porteiro tinha à sua frente, ele respondia secamente, “não mora aqui”. Esqueci de dizer que à noite uma luz se acendia com o foco dirigido para a porta de entrada.
Resumindo: eu tinha que chumbar o freguês em outro local que não fosse a sua casa.
Passei a ir bem cedo à loja de conveniência esperar o freguês. Ele chegava impreterivelmente às dez da manhã, ia direto para o balcão onde ficava a máquina de fazer café e o forno que assava o pão de queijo, fazia o seu pedido e sentava numa mesa. Sempre a mesma mesa. A garçonete trazia o café, o pacotinho de açúcar e o de chocolate e quatro pães de queijo. Quatro! Barrigudo daquele jeito, ele certamente comia escondido da mulher.
Sempre levo comigo a minha ferramenta, uma Beretta M9 com carregador de quinze balas, num coldre especial colocado abaixo da axila, sob o blusão. A empunhadura da Beretta fica-va para baixo. Dentro da loja eu não podia chumbar o freguês. Meu desejo era que ele fosse para a praça do poeta, mas o freguês voltava para casa. A mulher desses caras gordos sempre manda neles. Aliás, todas as mulheres mandam no marido. Minha mãe não mandava no meu pai porque ela morreu no parto. Eu matei minha mãe? Meu pai também morreu cedo. Isso tudo eu conto algum dia.
Na terceira manhã em que eu observava dissimuladamente o gordo comer os pães de queijo no posto, ele se levantou para ir à caixa pagar a despesa, mas, ao passar perto da minha mesa, puxou uma cadeira e sentou-se dizendo “bom dia”.
Já disse que sou puta velha. Respondi calmamente: “Bom dia.”
“Meu nome é Xavier”, ele disse, “com xis”. “O meu é José. Muito prazer.”
A voz do freguês era tranquila, um pouco espessa.
“Vou ser breve. Percebi que o senhor nestes três dias aqui no posto me observa dissimuladamente. Isso significa que tem um objetivo, que eu suponho qual seja. Sei que o senhor é um… um matador profissional.”
Meneei a cabeça.
“Tenho uma proposta a lhe fazer”, ele disse. “Sim.”
“Posso fazer a proposta?” “Sim.”
“Quero que você mate a minha mulher. Pago o dobro, o triplo do que você iria receber se me matasse.”
Ele agora já não me tratava mais de senhor, acreditava que como eu seria seu empregado, ou servidor, não precisava mais ter deferência, consideração por mim.
“Quanto e onde?”, perguntei.
Ele tirou um maço de notas de cem dólares do bolso. “Me paga depois. Onde será feito o serviço?”
“Na minha casa. Vamos juntos, eu toco a campainha, ela espia pelo olho mágico, vê que sou eu e abre a porta. Ela não abre a porta para ninguém. O senhor mata a minha mulher. Sua arma tem silenciador?”
“Evidentemente”, respondi.
“Nós entramos, abrimos as gavetas e mexemos nos armários, para fingir que foi um assalto.”
“Essa ideia é muito boa”, eu disse.
“Depois eu te pago e vamos embora. Eu vou ao supermerca-do fazer umas compras, e você sai de novo escondido no carro. Quando eu voltar, vejo a minha mulher morta, chamo a polícia…”
“Perfeito. Quando?”
“Agora”, ele respondeu. “Vamos entrar pela garagem, o se-nhor fica escondido no banco de trás. O carro está aqui no posto. Já disse que vou ao supermercado e sempre volto carregado de compras, inutilidades que a megera me obriga a comprar.”
Megera. O cara não gostava mesmo da mulher.
Entramos pela garagem, subimos, saltamos no hall do andar dele.
Não sei se já disse, mas aquele prédio tinha apenas um apar-tamento por andar. Tirei a minha Beretta do coldre.
“Um momento, não toca ainda a campainha”, eu disse, “espera eu colocar o silenciador”.
Coloquei o silenciador, destravei a Beretta e dei um tiro na cabeça do Xavier. Eu sei o lugar na cabeça que apaga o freguês. Segurei-o para que não fizesse barulho ao cair.
Saí pela garagem, usando os óculos escuros do morto. Os vi-dros escuros não deixavam ver direito quem dirigia o BMW. Es-ses ricos só usam carros bacanas.
Deixei o carro perto do supermercado. Fui andando pela rua.
Eu tenho os meus princípios, já disse. Não mato mulher, criança e anão. E sou honesto.
Passeio noturno
Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando impostação de voz, a música quadrifônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala?, perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar.
Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar?
A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e a minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta. Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher respondeu.
Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o meu. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico. Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no meio-fio. Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio.
Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos pára-lamas, os pára-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas.
A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia.
Nesta sexta, uma cesta de
RUBEM FONSECA
Prévidi,
Eu até que já li alguma coisa deste escritor, mas – doente, alucinado, é o meu filho, um guri, advogado, com 27
anos. A gurizada sabe o que é bom!
Com relação ao governo do Eduardo, vai dar certo se:
– Conseguir os dois anos solicitados de extensão do ICMs;
– Passar a Reforma da Previdência – que terá impacto no caixas dos estados;
– Conseguir privatizar e vender TUDO quanto é Estatal ( Estatal boa é estatal vendida, nas mãos da iniciativa privada). Quando falo tudo, falo também do Banrisul, o responsável por 5% dos 13 das transferências par abatimento da dívida – PROER – torno ao assunto, pois as pessoas esquecem rápido. Se não fossem estes 5%, a nossa dívida não passaria dos 40 bilhões, facilmente coberta com vendas de ativos!!!! Se não quiserem vender, transfiram ao BB por abatimento de dívidas, mas livrem-se da trolha!!!