PORTO ALEGRE É ASSIM! – 6
Me desculpem, de cara, mas não vejo nenhuma beleza naquela chaminé da Usina do Gasômetro.
Aliás, não aguento ver mais as fotos da dita.
Só gostei de uma foto – quando botaram uma camisinha nela!
Jornalismo de opinião com bom humor
PORTO ALEGRE É ASSIM! – 6
Me desculpem, de cara, mas não vejo nenhuma beleza naquela chaminé da Usina do Gasômetro.
Aliás, não aguento ver mais as fotos da dita.
Só gostei de uma foto – quando botaram uma camisinha nela!
PORTO ALEGRE É ASSIM! – 5
Saudade de Porto Alegre. Será?
QUE BELEZA! REDENÇÃO! FOTO DO GILNEI LIMA |
Estou no Litoral Norte do RS. Tenho uma boa casa numa pequena praia, perto de Tramandaí. Mesmo antes de voltar a Porto Alegre faço um balanço altamente positivo. Vários dias tive sorte – vento suave, céu sem nuvens e mar limpo, uma raridade. Quase não vi aquela mistura que lembra um nescau marítimo. Tenho nesta casa toda a infra-estrutura necessária. Até microondas. E dois mercados, pequenos, com tudo, bem próximo.
Como passo os dias na frente de um monitor, deliberamos que na praia ficaríamos longe da internet. Mais ou menos, porque duas lojinhas, há 20 passos de onde estou, oferecem uma conexão rápida. Até mesmo no posto de gasolina tem duas máquinas boas. Aí, dia sim dia não dou uma espiada nos emails. Escondido.
Outro dia, depois do almoço, deitado na rede, estava convicto que a saudade da minha cidade havia chegado e, por isso, o meu mau humor. Saudade de Porto Alegre. Não podia estar acontecendo, não conseguiria viver com o meu azedume. Era o que faltava, um homem velho com saudade de uma cidade!
Não deixei a rede e comecei a fingir que estava dormindo para que não me incomodassem. Saudade de quê?
Pensei naqueles infelizes que estão em Santa Catarina. Foram para lá acreditando que haviam chegado num paraíso. Na primeira hora em solo catarina descobrem que estão num inferno, mas não dão o braço a torcer. Pagam o olho da cara por tudo, trânsito paulista, mas vivem elogiando: “Nada é mais lindo do que Santa Catarina! Olha essa paisagem!”. No fundo, morrem de saudade de Porto Alegre.
Saudade de quê?
Está certo, temos que concordar como Luis Fernando Verissimo quando ele diz que o melhor lugar para se veranear é Porto Alegre. Em janeiro e fevereiro temos dias perfeitos – o trânsito é calmo, lugares abundantes em restaurantes e cinemas, tudo é ótimo. Uma cidade com tudo da civilização e sem muita gente.
Mas aqui na praia eu tenho tudo isso! Saudade de quê?
Pensei no Guaíba. O sujo e fedorento Guaíba. Saudade do Guaíba? Deus me livre! Pela primeira vez pensei que o muro da Mauá é um grande serviço para o porto-alegrense. Não apenas para evitar enchentes improváveis, mas para que os cidadãos não passem perto daquela imundice. E também já concluí que não deve ter revitalização do cais do porto. Bobagem! Já imaginou o sujeito sentado num bom restaurante, na beira do Guaíba, e aquela fetidez em todo o ambiente?
Xô, Guaíba!
E não podemos esquecer que a cidade tem um clima insuportável no verão, justamente por causa do Guaíba. Será que existe uma cidade no mundo tão abafada quanto Porto Alegre? Não tenho esse registro.
Saudade de quê? Do Guaíba? Do calor senegalesco?
Continuava o meu teatrinho na rede. As vezes fingia até que roncava. Uma aragem me permitia esquecer o sofrimento dos que estavam em Porto Alegre.
O que mais me daria saudade?
O meu apartamento, onde moro há 17 anos. É bem legal e tem uma sacada, onde fumo e acompanho o movimento, que não existe mais nos apartamentos moderninhos. Infelizmente, nos dois primeiros meses do ano o movimento diminui muito. De manhã, então, me sinto numa daquelas paradisíacas praias de Santa Catarina, onde nem um fantasma se aventura a colocar um calção ou biquíni. Quem gosta de praia ou rua deserta é aquele cara que está próximo da esquizofrenia. Podem crer.
O que mais?
Meu Deus, o que mais me daria saudade?
As pessoas normais assistem futebol pela TV; filmes em DVD; compram tudo pela internet; até um prosaico cachorro-quente ou uma fornida garota de programa se encomenda pelo telefone.
Ah, sim, temos belas paisagens na cidade. Mas já são vistas e revistas. Pelo menos é o meu ponto de vista. Lagoa do Abaeté? Lagoa da Conceição? Ruínas de São Miguel? Cânion de Itaimbezinho? Morro da Polícia? Eu chego, olho, dou mais uma olhada, faço um comentário – “legal” – e me mando. E só a força para me levarem de novo.
Santo Cristo, saudade de quê?
Dormi nos meus devaneios.
Tive um sonho/pesadelo muito estranho.
Estava num bonde, indo da avenida em que morei na minha adolescência, a Venâncio Aires, para o centro da nossa capital. Iria comer um cachorro quente nas cercanias do Mercado Público. Aí fui contar o dinheiro que tinha no bolso. Se pagasse o cobrador, não comeria aquele manjar divino – o cachorro de carrocinha. Resolvi sair correndo, quando a porta se abriu. E o motorneiro e o cobrador foram correndo para me pegar.
Acordei ofegante e suando. Mas fiquei na rede, me recuperando.
Estava com sede e lembrei de um primo, que já morreu. Éramos craques em tocar nas campainhas das casas da Cidade Baixa e perfeitos em tomar Minuano Limão de um litro e sair do bar em disparada. Sem pagar, é claro.
Dormi de novo. E novo sonho/pesadelo. As redes são terríveis.
Estava com alguns amigos parado na rua da Praia, vendo as gurias que passeavam. Pelo jeito, era um sábado. Aí resolvi ir sozinho ao cinema. Não tinha visto o jornal e percorri os mais tradicionais – Vitória, São João, Imperial, Guarani, Cacique, Rex. Neste, me agradou um filme proibido para menores de 18 anos. Devia ser de sacanagem. Comprado o ingresso, saquei a minha carteira falsificada de estudante, que me identificava com 19 anos. O porteiro me devolveu. “Tu não tem 18 anos”. E deu o assunto por encerrado. Fui rápido para o Guarani e a cena se repetiu. E a cena foi se repetindo em todas as salas, até que me acordei sobressaltado.
Desisti de procurar o que me dava saudade de Porto Alegre. Já era quase cinco da tarde. Coloquei um chinelo e fui para a fila do pão – sim, aqui na praia tem fila até no quiosque para comprar uma caipirinha.
No caminho da padaria, me deu saudade do seguinte programa de sábado da minha adolescência: Depois do almoço, ir de bonde ao Centro e procurar um filme que poderia ter alguma cena com uma atriz pelada. Depois comer um cachorro quente na volta do Mercado Público. A volta para casa de trólebus. Depois do banho, se preparar para a reunião-dançante da semana. E tentar decorar a nova música dos Beatles e a versão do Renato e seus Blue Caps. No almoço de domingo? Numa churrascaria ou no Sherazade, lá na parte alta da avenida Protásio Alves.
Um vidão.
É, dessa Porto Alegre tenho muita saudade.
E dizer que eu tomei banho na praia de Ipanema!
(Dezembro de 2007)
PORTO ALEGRE É ASSIM! – 4
PORTO ALEGRE É ASSIM! – 3
Hoje, 242 anos.
No Chile? Em Rondônia? Mongaguá?
Se pensarmos bem, são raros os nomes bonitos de cidades. Não só no Brasil. Aqui no RS predominam os santos (São Vedelino), origem indígena (Gravataí), heróis (Caxias do Sul), combinações estranhas (Não-Me-Toque) e palavras óbvias (Gramado). Raras têm combinações sonoras como Porto Alegre. Tanto que existem outras três por este país.
Harmonia nas combinações é muito raro. Nada supera uma denominação de um povoado em Portugal: Chão de Maçãs. As macieiras estão por toda a aldeia e é inevitável que o solo fique tapado da fruta. Nem mesmo as crianças conseguem consumir a produção que aumenta a cada ano.
Mas a harmonia de Porto Alegre é imbatível.
Tanto que existem alguns bairros pelo país com o nome da nossa cidade. Na baiana Porto Seguro existe um. Mas, olha, é melhor que não existisse. É feio e mal cuidado. Abandonado, mesmo, pela prefeitura, que preocupa-se mais em receber turistas o ano todo.
Em Capivari, no interior de São Paulo, terra de Tarsila do Amaral, o bairro também é humilde, mas o alcaide preocupa-se com os moradores, tanto que há pouco asfaltou várias ruas.
Na zona sul de Teresina a população também sofria com a poeira das ruas do bairro Porto Alegre. No início do ano o prefeito começou a amenizar o problema com o asfaltamento de algumas vias. E é uma zona violenta: em junho, noticia um jornal da capital piauiense, uma aposentada de 75 anos foi violentada e espancada dentro de sua casa por um desempregado – como se essa fosse a razão do crime.
Em Torres, no litoral gaúcho, também há um bairro Porto Alegre. Nada comparado aos mencionados acima. Faz parte da praia da Cal. Não existem outros registros pelo interior do RS.
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Avenidas?
Já imaginou na própria capital gaúcha uma avenida Porto Alegre? Pois existe, no bairro Medianeira.
No mundo? Pelo menos um exemplo interessante.
Na região metropolitana de Santiago do Chile existe a cidade de La Pintana. Como curiosidade, uma das representantes da comunidade na Câmara dos Deputados é Isabel Allende. Pois bem, lá tem uma avenida, importante, denominada Porto Alegre. E a “Sede Municipal Porto Alegre”. A Prefeitura explica (deixo no original): “Esta sede municipal ubicada en Porto Alegre, es conocida históricamente por los vecinos como la ‘Municipalidad Antigua’.
”En sus dependencias actualmente se desarrolla la labor comunitaria del municipio, destacando la Dirección de Acción Comunitaria, el Departamento de Desarrollo Empresarial y diferentes Oficinas de ayuda y participación ciudadana, entre las que destacan el Programa de Diversidad y Tolerancia, Adulto Mayor y Asuntos Étnicos, entre otros”.
Mais uma curiosidade: no Programa de Diversidad y Tolerancia existe há quatro anos o grupo Opus Gay, com o objetivo de “organizar y capacitar a gays, transgéneros y lesbianas de la comuna, entregándoles espacios y herramientas para su integración, reflexión y diálogo”.
Porto Alegre, hein?
Agora: Por que Porto Alegre na região metropolitana de Santiago do Chile? Sede Municipal Porto Alegre? Avenida Porto Alegre?
Sei não, mas a Procuradoria da nossa Porto Alegre deveria tomar uma providência. Afinal, não é Puerto Alegre, mas Porto Alegre mesmo.
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Brasileiras
São algumas no RS. Em Ijuí a homenagem está no Distrito Industrial. Em Imbé, Nova Tramandaí e em Balneário Atlântico em Arroio do Sal, no Litoral Norte. Água Santa, Esteio, Santa Maria, Pelotas, Rio Grande, entre outras.
Em Santa Catarina, Chapecó homenageia a gauchada. Além de Pinhalzinho e Balneário Gaivota na Praia da Lagoinha.
Minas Gerais não fica de fora. A terra da Fiat, Betim, e Araguari, a Cidade Surpresa, não se esqueceram da capital gaúcha.
No Paraná, pelo menos, Francisco Beltrão e Ponta Grossa.
Muito gaúcho no Mato Grosso. Sorriso e Primavera do Leste registram ruas com o nome.
No Estado do Rio de Janeiro, Itaperuna, no noroeste fluminense, tem uma rua Porto Alegre.
São Paulo? Mongaguá, na baixada santista (a atração é o Mongaguá Skate Park), e Novais, perto de Catanduva.
Em Rondônia, na cidade de Pimenta Bueno.
No Pará, em Capanema.
Em Rondônia, em Cacoal.
(Setembro de 2007)
PORTO ALEGRE É ASSIM! – 2
Hoje, 242 anos.
Tipos
Vivo num bairro metido a moderninho, com muita gente na faixa dos 20, 30 anos. Muitos querem morar na Cidade Baixa, virou moda. Não faço parte desta turba, porque estou aqui há 17 anos. Para terem uma idéia, quando vim morar por aqui, na minha rua havia apenas um bar – já tinha fechado o lendário Doce Vida. Hoje, apenas na minha quadra são 17 bares e restaurantes.
Como vem gente de todo o lado, observo tipos estranhíssimos.
Todo o dia vejo um sujeito, sempre com um ar de orgulho, que tem o físico e a cara do Woody Allen. Sério. Tem até aquele óculos preto e o cabelo escasso. Magro de dar pena. Muito branco.
Mas o mais interessante são as gurias. Várias, inúmeras com um visual Mary Poppins com cabelo estilo Branca de Neve. Só que roxo. Algumas também com aqueles óculos retangulares, de armação grossa. Muito estranhas. Para completar, vestem-se em brechós. Esquisitas, mesmo.
Geralmente estas gurias se vestem como mulheres normais até a cintura, em que pese as roupinhas anos 70, 80. Mas daí para baixo é um horror. Usam umas meias até os joelhos, com cores berrantes e tênis – o chulé deve ser extraordinário. As saias são largas, de brim desbotado.
O mais triste é que fazem questão de estragar os cabelos. Sempre cortados desparelho e pintados de verde ou vermelho. As mais discretas pintam de roxo algumas mechas.
A impressão que passa é que estes tipos fazem questão de ficar feias. Não pode dar um bom resultado a união de cabelo roxo, mal cortado, roupa de brechó e óculos retangular. É verdade também que essas gurias não tiveram a ajuda da natureza e os rostos não são exemplos de beleza. No popular, como são feinhas, chamam a atenção de outro jeito.
Há algum tempo uma jornalista escreveu um artigo criticando um dos meus métodos “de inspiração”, sem citar o meu nome. Disse num seminário, em que ela estava, que bastava dar uma rápida volta pelo bairro em que vivo ou mesmo ir na sacada de casa para ter um assunto para uma crônica. A mocinha estranhou o método.
É porque a coitada não vive na Cidade Baixa.
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Cenas
Num domingo, fui me deitar tarde. Não tinha mais nada de interessante na TV. Já estava quase entregue, quando comecei a ouvir muita gente falando, aos berros, na rua.
Moro no primeiro andar e escuto tudo que acontece na rua. Esperei, porque não iriam manter aquela gritaria por muito tempo. Me enganei. A cada minuto, a gritaria aumentava, mesclada com risos nervosos. Resolvi me levantar e dar uma olhada pelas frestas da veneziana do quarto. Contei mais ou menos uns 15 guris e gurias. E não eram oriundos de “comunidades carentes”. Todos com roupas da moda e estavam encostados em carros com as portas abertas.
Fui até a sala e arrisquei uma olhada. Eram mesmo de classe média para cima.
Acendi um cigarro e fui para a sacada. Não demorou muito e um dos guris me viu.
– Ei, tem um sapato da minha amiga ali, logo abaixo daquela janela, será que tu não podia pegar pra nós?
Olhei e vi a peça numa aba, abaixo da janela do quarto dos meus filhos, por onde passam os fios do telefone e net.
– Bah, não dá, porque os guris estão dormindo e uma das camas fica junto à janela.
Aí já estavam todos olhando pra mim, como se fosse o carrasco do sapato da mocinha. Mas como aquele sapato foi parar ali?
– Pô, olha só, o pezinho dela está nu! foi o primeiro apelo.
– Dá um jeitinho! pediu, dengosa, uma das amigas.
– Tenta, vai! gritou outra.
– Salva a nossa Cinderela!!
Venceram. Fui na cozinha, peguei a vassoura e entrei em total silêncio no quarto dos guris. Quando consegui abrir a janela, palmas e gritaria me saudaram. E eu com o dedo na boca pedia silêncio. Em vão. Tiravam até fotos do início da operação de resgate.
Coloquei o cabo da vassoura dentro do sapatinho. Tinha que ser com cuidado, porque poderia cair no toldo do bar, instalado numa loja no térreo do prédio. Enfiei bem o cabo da vassoura e atirei. Operação bem-sucedida. Mais palmas, assovios e gritos. Mais fotos.
Não demorou 15 minutos e me vi livre da gurizada.
E pude dormir. Não sonhei com o sapatinho da Cinderela.
Anos antes, ao chegar em casa, vi um monte de gente na frente do meu prédio. Me juntei a eles. Era uma história inacreditável.
A minha vizinha criava um gato no apartamento. Deve ter dado uma loucura no bichano e ele pulou. Como para se matar ou arriscar a liberdade. Só que caiu no toldo do bar e dali não arriscou mais sair.
Muitas sugestões. Um propôs buscar em casa uma escada. Outro disse que chamaria os bombeiros. Várias alternativas, todos falando ao mesmo tempo.
Aí alguém fala mais alto.
– Olha ali, a salvação do gato!
Era de não acreditar. Dois sujeitos e uma mulher vinham com pernas-de-pau, fantasiados, pela mesma calçada.
Um deles se aproximou do toldo e chamou o bichano. Ele foi em direção a suas mãos, meio assustado. Alcançou-o para a dona, que ria e chorava.
Aplausos para o herói.
(Publicado no livro A REVOLUÇÃO DA MINHA JANELA, de 2008)