Este texto tem sido compartilhado por meio de sites e autores que não citam a fonte. Ele é de autoria do Walmar Andrade e foi originalmente publicado em seu site, Mude.nu. Como achamos que o texto tem afinidade com o PapodeHomem, resolvemos trazê-lo para o portal.
Fizemos algumas adaptações para a publicação, já que o texto tinha sido escrito antes da novela entrar no ar. Fora adaptações com relação ao tempo, nada foi modificado.
(http://papodehomem.com.br/)
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Há pouco menos de uma semana estreou a nova novela das 21h da Rede Globo, chamada
Em Família. Este post é todo dedicado a explicar por que você não deve assistir.
Não vamos aqui argumentar que novela é “coisa de alienado, subproduto cultural, estratégia de dominação em massa” ou qualquer outro clichê do tipo. Acreditamos que novela é um produto de entretenimento como qualquer outro, que cumpre sua função tanto quanto música, artes plásticas, teatro, cinema etc.
Ainda assim, temos a proposta de que você não deve assistir a
Em Família hoje à noite. Você sabe, o nome deste site é
Mude e nós nos sentimos meio que na obrigação de propor alguns desafios de vez em quando.
O primeiro motivo pelo qual você não deve ver a novela é que você já a viu antes. É uma novela do Manoel Carlos. Então você sabe que em algum lugar do Leblon, ao som de Bossa Nova, formar-se-á um triângulo amoroso entre alguma mulher de classe média alta chamada Helena e mais dois galãs, provavelmente um vindo do passado.
Manoel Carlos reescrevendo a novela pela 19ª vez
Você sabe que a Helena vai comer o pão que o diabo amassou por alguns meses, vai ficar um tempo com um, um tempo com outro, e no final se arrumará com aquele com o qual o público mais simpatizar. Ao outro galã restará alguma outra mulher que ganhará importância durante a história.
É provável ainda que você veja o José Mayer pegando todas as mulheres do elenco, o Reinaldo Gianecchini fazendo aquela atuação de Reinaldo Gianecchini, empregadas domésticas como parte da família, o Paulo José enfrentando alguma doença como alcoolismo ou Parkinson e um ou outro casal homoafetivo para cumprir a cota obrigatória da Globo.
Você já viu essa história em Viver a Vida, Páginas da Vida, Mulheres Apaixonadas, Laços de Família, Por Amor, História de Amor etc etc etc.
Apesar de tudo, este não é o motivo principal para você não ver a novela. Nós gostamos de rever filmes, o cérebro parece relaxar ao acompanhar uma história previsível, traz uma sensação de conforto propícia para o fim de noite.
O principal motivo para você não assistir a Em Família é o custo de oportunidade.
O que você faria com 257 horas livres?
Uma novela das 21h na Globo tem, em média, 70 minutos de duração por noite. A que acabou na última sexta-feira contou com 221 capítulos.
Em uma conta simples, chegamos a 15.470 minutos de novela, ou um pouco mais que 257 horas.
O desafio que estamos propondo é que, somente dessa vez, você experimente substituir a já batida novela das 21h, com todas as suas previsíveis tramas, por alguma atividade em que você se sinta cheio de vida, com brilho nos olhos, com tesão em avançar.
Pense que você está nos últimos minutos da sua vida e começa a lembrar o que fez de bom.
Provavelmente virão à sua mente momentos especiais como quando você passou no vestibular, formou-se na faculdade, deu o primeiro beijo, saltou de paraquedas, teve um filho, andou de skate, tocou uma guitarra, viajou pelo mundo.
Dificilmente entre os seus grandes momentos na vida estarão as 221 noites que você ficou deitado no sofá vendo a novela.
Alternativas para a novela
Já podemos até ouvir a sua zona de conforto argumentando que a novela no final de noite é uma forma cômoda de terminar o dia, relaxar, desligar o cérebro e descansar para o dia seguinte.
Existem, no entanto, diversas outras maneiras de relaxar que você provavelmente nunca experimentou antes. E com seis ou sete meses, com 257 horas disponíveis, dá para você ficar craque em quase qualquer coisa.
Se você só quer ficar em casa, pode iniciar um curso de espanhol online, pode criar um site, pode escrever um livro, pode cultivar uma pequena horta, pode meditar, pode fazer yoga, pode ler mais de 20 livros.
Sem nem inventar muito e mantendo o mesmo padrão de sofá-televisão, você pode assistir a 221 filmes diferentes dos melhores diretores de cinema de todos os tempos!
Já se você quer viver a vida lá fora, pode aproveitar essas 257 horas livres para fazer passeios ciclísticos noturnos, para aprender a andar de skate, para visitar pontos turísticos da sua cidade que você nunca conheceu, para ir à casa de amigos e jogar jogos de tabuleiros, para fazer musculação, para praticar corrida noturna, para fazer um curso qualquer.
As possibilidades são imensas e aí é que está a graça da coisa: você estará fazendo algo novo, diferente, em vez de rever pela enésima vez a mesma estrutura de história da novela das 21h.
Você não tem nada a perder: se nada der certo, daqui a pouco vem outra novela com o mesmo padrão de história para você se entreter. Até essa mesmo que começa hoje em breve estará sendo reprisada no Vale a Pena Ver de Novo ou na TV por assinatura. Por que não experimentar algo diferente?
Por que é importante não ver os primeiros capítulos
Os diretores vão caprichar para fisgar sua atenção.
Os primeiros capítulos da novela são feitos para fisgar o telespectador. Neles o autor aplica as suas melhores falas, prepara seus melhores ganchos. O diretor se esmera em fazer cenas perfeitas, que prendam a atenção do telespectador. Os atores são cobrados em dobro.
Se você assistir aos primeiros capítulos, começará a conhecer e a se afeiçoar aos personagens e aí será tarde demais. É feito para ser assim.
E, como você sabe, ao final do capítulo haverá um gancho que capture a sua curiosidade para que você assista ao capítulo de amanhã. E assim sucessivamente, durante 221 noites, nos próximos seis ou sete meses.
A pergunta é: daqui a sete meses, você, que está lendo este post, terá um monte de boas histórias e experiências de vida para contar e colocar entre os seus melhores momentos, ou terá apenas assistido a mais uma novela do Manoel Carlos, com a Helena, o Leblon e os clássicos da Bossa Nova?