UMA POLÊMICA PARA
COMEÇAR BEM A SEMANA!!
Pra variar, um texto do Janer Cristaldo – cristaldo.blogspot.com.br.
NÓS, ATEUS, E A BÍBLIA
Um ateu fazendo comentários sobre a Bíblia? – espanta-se um leitor, referindo-se ao último artigo que escrevi sobre os prazeres da teologia. Para início de conversa, não me consta que nada proíba que um ateu comente a Bíblia. Diga-se de passagem, tenho visto mais ateus comentando a Bíblia com propriedade do que crentes. Ateus, somos curiosos. Queremos saber. O crente se contenta em crer. O leitor, pelo jeito, tem poucas luzes e pouca familiaridade tem com a leitura. Se tivesse, saberia que uma das mais reputadas histórias do cristianismo foi escrita por um ateu.
Falo de Ernest Renan (1823-1892) e de sua História das Origens do Cristianismo, dividida em sete volumes: Vida de Jesus, Os Apóstolos, São Paulo, Anticristo, Os Evangelhos e a Segunda Geração Cristã, A Igreja Cristã e Marco Aurélio e o Fim do Mundo Antigo. Este trabalho lhe tomou vinte anos de pesquisa. O primeiro volume, Vida de Jesus, foi tido como “um dos grandes acontecimentos do século. Não bastasse isto, Renan ainda escreveu uma História do Povo de Israel, em mais dez volumes.
Em História das Origens do Cristianismo, Renan traça o percurso da triunfante seita dissidente do judaísmo, desde Cristo até o reinado de Constantino, que “inverteu os papéis, e fez do mais livre e espontâneo religioso um culto oficial, sujeito ao Estado e não já perseguido, mas perseguidor”. O autor era tão fascinado pelo Cristo a ponto de sua obra ter sido incluída no Index Prohibitorum da Igreja Romana. Toda pessoa fascinada pelo Cristo sempre vai bater de frente com os papistas.
Mais ainda: fui introduzido na leitura de Renan por um outro ateu empedernido, o Dyonélio Machado. Apesar de comunista, era leitor atento da Bíblia, que estava sempre em um atril, em destaque em sua biblioteca. Em nossas charlas, Dyonélio me conduzia ao atril, me indicava um trecho da Bíblia e depois íamos procurá-lo na obra de Renan.
Já falei de meu urologista. É judeu e ateu, e vive lendo livros sobre a bíblia, judaísmo e cristianismo. A cada consulta, dedicamos alguns minutos aos problemas de saúde e uma boa hora à troca de bibliografias. Seguido o encontro em um café do bairro, sempre com uma pasta, sempre cheia de novos títulos. É o único médico que visito com prazer. Em minha última consulta, enquanto seus pacientes pacientavam, entre outros títulos, prescreveu-me um que julgo excelente, ensaio de Pepe Rodríguez (também ateu), Mentiras Fundamentais da Igreja Católica. Recomendo vivamente.
As pessoas que menos conhecem a Bíblia são justamente aquelas que vivem com ela debaixo do sovaco. Vêem um livro de amor onde há ódio, genocídio, massacre e incitação ao massacre. Javé ordena Israel a matar os amorreus, heteus, ferezeus, cananeus, heveus, jebuseus, mais tribos do que massacrou Maomé. O bom deus dos judeus e cristãos manda massacrar, arrasar, degolar, destruir cidades, matar tudo que respire. O crente não vê nada disso. Se vê, acha perfeitamente salutar, digno e justo arrasar as tribos que não prestavam culto a Javé.
Outro grande estudioso da Bíblia, também ateu, é o crítico literário Harold Bloom, autor de Jesus e Javé. Judeu, Bloom vê pouca evidência de um Jesus histórico – quem ele foi, o que dizia. “Não há uma frase a respeito de Jesus em todo Novo Testamento, escrita por alguém que tenha conhecido o relutante Rei dos Judeus”.
Segundo o autor, o Novo Testamento não é tanto uma continuação do Antigo Testamento mas sim um texto que o repudia. Com o que estão de acordo os mais importantes historiadores do cristianismo. Se Cristo era judeu e disse vir para cumprir a lei de Moisés, o mesmo não pensava um outro judeu, Paulo de Tarso, que no fundo é o construtor do cristianismo.
Bloom lê a Bíblia como crítico literário, não como teólogo. Para ele, o que a maioria gosta de pensar como uma herança judaico-cristã é uma ilusão, resultado de uma calculada leitura errada de passagens do Velho Testamento que fazem parecê-las profecias cristãs. “Comecei a escrever Jesus e Javé quando me convenci de que cristãos e judeus supervalorizavam o texto bíblico e liam metáforas como se fossem verdadeiras”.
Outro excelente exegeta da Bíblia – também ateu, para variar – é Bart Ehrman, autor que tenho citado em minhas últimas crônicas. PH.D. em teologia pela Universidade de Princeton e professor de estudos religiosos na Universidade da Carolina do Norte, Ehrman tornou-se ateu quando saiu a pesquisar as cópias dos textos bíblicos em bibliotecas mundo afora. O que prova que nenhuma fé resiste a uma leitura atenta da Bíblia.
À guisa de conclusão, listo os livros de Ehrman encontráveis no Brasil. Recomendo a todo leitor que pretenda fazer uma leitura percuciente da Bíblia.
A Verdade e a Ficção em o Código da Vinci. São Paulo: Record, 2005
O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? Quem mudou a Bíblia e por quê. São Paulo: Editora Prestígio, 2006
Pedro, Paulo e Maria Madalena: A verdade e a lenda sobre os seguidores de Jesus. São Paulo: Editora Record, 2008
Evangelhos Perdidos: As Batalhas pela Escritura e os Cristianismos que não chegamos a conhecer. São Paulo: Editora Record, 2008
O Problema com Deus: As respostas que a bíblia não dá ao sofrimento. São Paulo: Agir, 2008
Quem Jesus Foi? Quem Jesus Não Foi? São Paulo: Ediouro, 2010
Boas leituras, leitor!